O uso de equipamentos móveis com GPS e a impossibilidade de controle de jornada – Beatriz Tadim Carvalho e Vitor Caputo Coelho

Em meio à pandemia, o debate a respeito do controle de jornada via aparelhos eletrônicos, dentro de empresas grandes e pequenas, se tornou mais relevante às relações de trabalho, cada vez mais voláteis.

Introdução

Os efeitos devastadores da pandemia ocasionados pelo novo coronavírus estão longe do fim, embora as vacinações sejam um grande avanço para a desaceleração da contaminação e retomada mais célere da normalidade.

Sabe-se que as adaptações a esse momento atual redefiniram alguns aspectos das relações de trabalho. No entanto, não é a primeira vez que as leis trabalhistas são remodeladas para se adequar às novas facetas do trabalho: a Terceira Revolução Industrial inseriu, com veemência, a robótica, a genética, a informática e as telecomunicações nos meios de produção.

Nesse sentido, uma das maiores discussões dentro do âmago trabalhista é a possibilidade do controle de jornada remoto, através de aparelhos que possuem acesso ao Global Positioning System, o GPS.

O maior exemplo, e pilar deste debate, é o art. 62 da CLT1, que destaca os funcionários que não se encaixam na jornada tradicionalmente positivada, são aqueles que cumprem seu horário laboral afastados dos seus empregadores.

É importante mencionar, sobre isso, a indispensabilidade de que a condição especial esteja registrada na Carteira de Trabalho e Previdência (CTPS) do colaborador – este é o primeiro passo para que a jornada do trabalhador esteja categorizada dentro do art. 62, podendo, assim, ser tratado de forma excepcional.

Vale ressaltar, contudo, que é essencial a comprovação da autonomia do trabalhador para o cumprimento de suas atividades diárias, sem interferência direta ou indireta do empregador, pois caso haja, mesmo indiretamente, a possibilidade de realizar o controle de jornada, assim deve ser feito.

Como já mencionado, uma forma de controle de jornada externa que movimentou a jurisprudência foi a utilização de aparelhos móveis com a função de localização via GPS.

A impossibilidade de vincular o acesso de um aparelho ao GPS ao controle de jornada externo

A tecnologia atual permite que, praticamente, qualquer aparelho com compartilhamento de dados possa utilizar a funcionalidade do GPS, entretanto muitos juristas acreditam que a mera presença do mecanismo não caracteriza o devido controle de jornada.

No TST, houve uma reclamação trabalhista2, envolvendo a empresa “Gafor S/A” e um de seus funcionários, em que foi pleiteado o controle de jornada por meio do GPS, já que o funcionário estava sempre com esse recurso ativo. Entretanto, o ministro Caputo Bastos, em oposição a tal pleito, deferiu o recurso da empregadora, sustentando que a função do GPS servia apenas para localizar a carga em transporte e, ademais, este elemento isolado não pode caracterizar controle de jornada.

O ministro ainda equiparou o GPS ao tacógrafo, ou seja, para ambas as ferramentas se aplicaria a OJ 3323, a qual preceitua que a mera existência de um tacógrafo no veículo não se enquadra como controle de jornada externo.

Surge, então, um questionamento: quando o GPS não está associado a nenhum produto a ser transportado, como no exemplo anterior, poderia ele ser utilizado para o controle de jornada?

O controle de jornada externa nos dias atuais

Seguindo a mesma linha de raciocínio do recente entendimento do TST, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em julgamento de reclamação trabalhista envolvendo um funcionário da empresa “Kantar Ibope Pesquisa de Mídia Ltda.”, em que se pleiteava o controle externo, já que o empregado carregava consigo um tablet com funcionalidade de GPS, sedimentou no acórdão que a portabilidade do tablet não se presta a esse fim, pois o sistema de GPS de smartphones e tablets são ativados pelo próprio usuário.

A própria relatora do processo se posicionou no sentido de que: “Entender o contrário seria o mesmo que declarar que todo trabalhador que trabalhasse externamente e possuísse como ferramenta de trabalho notebook, celular, tablet ou que tivesse acesso à internet, sofreria controle de jornada do empregador”

Nesse ínterim, a mera capacidade de localizar o funcionário por meio de um aparelho eletrônico não é o suficiente para caracterizar o controle de jornada externa. É necessário que o trabalho se enquadre no artigo 62, inciso I, e 74, parágrafo 3º, da CLT, conforme indica o seguinte trecho do acórdão:

“Sabe-se, todavia, que não é apenas o serviço externo, por si só, que exclui a limitação da duração do trabalho, mas sim serviço externo incompatível com a fixação direta ou indireta de horário de trabalho, nos termos do próprio dispositivo legal (artigo 62, inciso I, da CLT). Ainda que a atividade seja de serviço externo, como no caso do reclamante, se há meios de controle do tempo efetivamente trabalhado, não está o empregado incluído na exceção legal que afasta as regras de limitação da duração do trabalho”.

Em caso de jornada externa, existem outras maneiras para realizar o devido registro dos horários, como sujeitar o trabalhador às metas de visitas; à produção mínima diária; à realização de relatórios e roteiros pré-definidos.

Diante do exposto, o principal a ser assimilado é a impossibilidade de controlar a jornada apenas com a presença de um aparelho com o recurso do GPS, afinal essa ferramenta, de maneira isolada, não é capaz de efetivamente indicar controle de jornada por parte do empregador, e entendimento diverso pode ensejar ônus ao empregador do qual não poderia suportar – a comprovação de controle de jornada somente em razão do uso de equipamentos móveis com dispositivos de GPS, conforme tese que já vem sendo adotada pela jurisprudência atual.

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1 Art. 62 – Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:
Inc. I – os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados;
2 HORAS EXTRAORDINÁRIAS. TRABALHO EXTERNO. MOTORISTA. RASTREADOR. PROVIMENTO. Há de ser processado o recurso de revista quando a parte demonstra efetiva divergência jurisprudencial, a partir de julgado que defende tese contrária à adotada pelo egrégio Colegiado Regional. Agravo de instrumento a que se dá provimento. RECURSO DE REVISTA. 1. HORAS EXTRAORDINÁRIAS. TRABALHO EXTERNO. MOTORISTA. RASTREADOR. CONHECIMENTO. A utilização do rastreador – instrumento por meio do qual se pode saber e determinar a localização e, em alguns casos, a velocidade do veículo, não se apresenta como suficiente para a conclusão de que haveria possibilidade de controle de jornada de trabalho do reclamante. A finalidade de tal instrumento, em casos tais, é sem dúvida a localização da carga transportada e não da quantidade de horas trabalhadas. A mesma conclusão se impõe em relação ao tacógrafo (Orientação Jurisprudencial nº 332 da SBDI – 1). Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. 2. MULTA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROTELATÓRIOS. NÃO CONHECIMENTO. Sempre que o intento protelatório dos embargos de declaração ficar demonstrado às escâncaras, como no caso, em que mesmo após explícitas razões de convicção seguiu-se a interposição de embargos de declaração ao pretexto de requerer prestação jurisdicional aperfeiçoada, deve o órgão julgador valer-se da multa Este documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.tst.jus.br/validador sob código 1000AAADF6B943DB6F. Poder Judiciário Justiça do Trabalho Tribunal Superior do Trabalho fls.2 PROCESSO Nº TST-RR-1712-32.2010.5.03.0142 Firmado por assinatura digital em 15/05/2014 pelo sistema AssineJus da Justiça do Trabalho, nos termos da Lei nº 11.419/2006, que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira. prevista no artigo 538, parágrafo único, do CPC. Não configurada, pois, a alegada violação do artigo 5º, XXXV e LV, da Constituição Federal. Recurso de revista de que não se conhece.
3 MOTORISTA. HORAS EXTRAS. ATIVIDADE EXTERNA. CONTROLE DE JORNADA POR TACÓGRAFO. RESOLUÇÃO 816/86 DO CONTRAN (DJ 09.12.2003)
O tacógrafo, por si só, sem a existência de outros elementos, não serve para controlar a jornada de trabalho do empregado que exerce atividade externa.

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SAJ ADV. Trabalho externo e controle de jornada pelo empregador. Acesso em: 25 fev. 2021.
TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Entrevistador de mídia que usava tablet com GPS não comprova controle de jornada. Acesso em: 25 fev. 2021.
ABRAT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ADVOGADOS TRABALHISTAS. TST afasta utilização de GPS para controle de jornada de caminhoneiro. Acesso em: 25 fev. 2021.

Beatriz Tadim Carvalho
Graduanda de Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e colaboradora do Petrarca Advogados.

Vitor Caputo Coelho
Graduando de Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa do Distrito Federal (IDP-DF) e colaborador do Petrarca Advogados.

Petrarca Advogados