Análise da aplicação da cláusula MAC em operações de M&A, e sua relevância em períodos de crise – Túlio Foganholi Oliveira de Sousa e Rafael Sasse Lobato

A importância de se compreender a segurança que a Cláusula “MAC” possui para as operações de fusões e aquisições, sobretudo em períodos de crise.

O cenário de instabilidade econômica ocasionado pela pandemia da covid-19 impactou o mercado nacional de fusões e aquisições (“M&A”) com a queda no número de operações. Conforme levantamento realizado pela KPMG, entre os meses de março e julho de 2020, houve uma diminuição de 9,3% (nove inteiros e três décimos por cento) no número de fusões e aquisições, em comparação com o mesmo período do ano de 2019.

Essa queda se relaciona, dentre outros fatores, aos riscos decorrentes da pandemia, que influenciaram de maneira considerável o cenário econômico mundial. Os investidores passaram a adotar maiores cautelas frente aos possíveis riscos das operações de M&A nesse momento de incertezas.

Neste sentido, é importante que os investidores percebam a relevância que a previsão da cláusula “MAC” (“Material Adverse Change”) possui para as operações de fusões e aquisições, ainda mais a partir dos reflexos e efeitos econômicos motivados pela pandemia do covid-19.

O ponto de partida para compreender a relevância dessa Cláusula está na análise dos períodos de “Signing” e “Closing”, presentes em operações de M&A. De maneira geral, o “Signing” é o momento em que os contratos definitivos são celebrados e assinados pelas partes. Todavia, como esses contratos normalmente exigem o cumprimento de uma série de condições, a conclusão da operação fica postergada para um momento futuro: o “Closing”, ocasião em que as partes finalizam os procedimentos e a operação de fusão ou aquisição é efetivamente concluída.

Entre o período de “Signing” e “Closing”, que pode levar meses, os ativos da entidade objeto da operação estão passíveis de sofrer com os efeitos de uma crise financeira grave, como por exemplo, a pandemia do coronavírus. Em outras palavras, a influência de algum evento adverso relevante pode tornar o negócio menos atrativo ao comprador/investidor.

A partir disso, surge a importância de assegurar ao comprador, ao longo da formulação dos contratos, a possibilidade da renegociação do preço, ou até mesmo a desistência do acordo, caso ocorra uma queda sensível nos negócios da entidade-alvo da operação, ou a desvalorização de seus ativos decorrentes de situações imprevisíveis.

Daí a cláusula “MAC” nos contratos das operações de fusões e aquisições. Em resumo, esta cláusula tem o objetivo de prever a possibilidade de desistência ou reequilíbrio das condições do negócio caso ocorram determinadas situações consideradas “inesperadas” e “relevantes”.

A cláusula MAC busca conferir maior segurança às partes, uma vez que possui como principal característica a especificação das condições em que o comprador poderá renegociar o preço acordado, ou optar por desistir da operação de fusão ou aquisição.

Todavia, não basta que a cláusula preveja, de maneira genérica, que a ocorrência de uma causa inesperada possibilite a revisão das disposições contratuais. Para preservar o equilíbrio entre os interesses do comprador e do vendedor, é importante que a cláusula “MAC” especifique, de forma detalhada, quais circunstâncias serão consideradas “adversas”.

Uma cláusula demasiadamente genérica, no sentido de que qualquer circunstância imprevisível enseja a revisão do negócio, se mostra ineficaz para dar segurança às partes. Afinal, permanecerá a dúvida: o que representa uma circunstância imprevisível?

Algumas situações extremas não deixam dúvidas: uma guerra ou uma pandemia, por exemplo, são inegavelmente situações adversas relevantes.

Todavia, outras situações imprevisíveis não necessariamente vão impactar uma operação de aquisição. Por exemplo, o aumento da inflação, a queda do preço do petróleo, a alta do dólar, o aumento do preço da tarifa de ônibus ou a redução da alíquota de um tributo são circunstâncias imprevisíveis, que estão fora do controle das partes, mas que podem não interferir diretamente no negócio.

Por outro lado, situações como um terremoto, a elevação substancial da alíquota de um imposto ou a proibição governamental do uso de determinado insumo podem impactar, de forma relevante, a conclusão de determinada operação.

Os contratos costumam definir “situações adversas relevantes” como circunstâncias que influenciem diretamente os ativos, propriedades, atividades operacionais e negócios de determinado procedimento de M&A.

Dependendo da especificação utilizada durante a elaboração da cláusula, determinadas transformações políticas, econômicas ou jurídicas, que ocorram em âmbito geral, também poderão ser consideradas como eventos adversos relevantes.

Imagine a seguinte situação: um investidor está adquirindo uma fábrica de agrotóxicos e, antes da operação ser concluída, o governo decide proibir a utilização daquele produto. Este exemplo representa, de forma significativa, uma situação adversa relevante para aquele negócio, já que afetará diretamente a atividade operacional da empresa, fazendo com que o investidor encare um cenário totalmente adverso do que lhe foi analisado inicialmente.

Ainda neste exemplo, imagine que um banco esteja adquirindo uma outra instituição financeira. Ora, aquela proibição do uso do agrotóxico, apesar de imprevisível, não representa uma situação adversa relevante para o negócio.

É possível notar, na prática, que grande parte dos contratos negociais de M&A não costumam definir, especificamente, as circunstâncias, fatos e condições que serão consideradas como “adversas”, possibilitando, assim, o surgimento de discussões e impasses entre as partes.

Assim, de modo a evitar futuros questionamentos, é fundamental que as disposições dessas cláusulas sejam elaboradas com a máxima clareza possível, e de forma direcionadas às particularidades do negócio.

Cada operação e cada negócio possui condições e particularidades que podem influenciar, diretamente, na elaboração da Cláusula de circunstâncias adversas. Por isso, visando a aplicação eficiente deste dispositivo, é importante que as partes estejam atentas à especificação utilizada para considerar determinadas situações como “adversas” e “relevantes”.

Dessa forma, é possível verificar que a previsão da Cláusula “MAC” possui significativa relevância para conferir maior segurança e eficiência aos procedimentos de M&A. A partir desta previsão no contrato, a relação negocial passa a se basear em parâmetros de proteção mais efetivos, sobretudo, para o investidor/comprador.

Em um cenário de pandemia, como este que atravessamos, a utilização deste recurso contratual se torna ainda mais relevante, uma vez que situações adversas, decorrentes da pandemia, podem afetar profundamente alguns setores empresariais, fazendo com que operações de M&A também sofram com estes impactos.

A título de exemplo, considere uma operação de aquisição de uma rede de cinemas. Para propor o preço pela aquisição, o comprador levará em conta, dentre outros aspectos, o histórico e a previsão de faturamento da companhia-alvo.

Todavia, a ocorrência de um evento adverso como a pandemia, em que se proíba o funcionamento dos cinemas, traz impactos significativos para o faturamento deste segmento, fazendo com que a operação possa não ser mais tão atrativa para o comprador, ou que o preço proposto deva ser reajustado.

Por isso, levando em conta a notável importância desta previsão contratual, a Cláusula “MAC” deve ser tratada com cuidado e atenção durante as negociações. É fundamental que os investidores, em conjunto com sua equipe jurídica, utilizem critérios objetivos, buscando abarcar seus interesses e condições, com o objeto de prever determinadas circunstâncias e eventos que poderão influenciar o desenvolvimento do negócio.

Não basta dizer, portanto, que qualquer evento adverso poderá levar à revisão ou o desfazimento do negócio, já que tal previsão genérica pode trazer interpretações divergentes, na medida em que as partes (comprador e vendedor) tem interesses nem sempre convergentes em relação ao preço ou à conclusão da operação em determinado cenário econômico.

O ideal é que a Cláusula “MAC” busque parametrizar os eventos realmente adversos para determinado negócio e atividade empresarial – o que sabemos, não é uma tarefa fácil, mas que deve ser pretendida por quem atue nessa área.

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CRUZ, Pedro Santos. A cláusula MAC (Material Adverse Change) em contratos de M&A no direito comparado (EUA e Reino Unido). Rev. de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, jul./set. 2009.

KPMG. Operações: Fusões e Aquisições encolhem no primeiro semestre. KPMG Auditores Independentes. Disponível aqui. Acesso em: mai. 2021.

PESSOA, Daniel Tardelli. Contratos de aquisição de M&A e MAC Clauses. Disponível aqui. Acesso em: mai. 2021.

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Túlio Foganholi Oliveira de Sousa
Graduando em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UniCeub. Estudante de Ciências Contábeis na Universidade de Brasília – UnB. Colaborador do escritório Petrarca Advogados.

Rafael Sasse Lobato
Advogado colaborador do escritório Petrarca Advogados.

Petrarca Advogados