Art. 59 da CVM e a regulamentação de ESG no Brasil – Karina Nunes Rodrigues e Flávia Cardoso

É notável que as medidas adotadas pela CVM representam um marco para a pauta socioambiental no país, mobilizando o mercado e estimulando o setor empresarial a promover soluções em direção a uma economia verde.

Felizmente nos últimos anos, as boas práticas ambientais têm sido cada vez mais exigidas no setor financeiro nos cenários internacional e nacional.  Com isso, a cobrança por parte dos investidores se tornou mais presente e, após todos os instrumentos de fiscalização e de planejamento instaurados no mercado, que introduziram, dentre outros, temas como o compliance e governança nas rotinas empresariais, chegou a hora das práticas socioambientais ganharem destaque e serem impulsionadas, para que haja o estabelecimento e implementação de ações concretas entre as instituições financeiras e as práticas dos negócios e processos.

Apesar de não ser um tema novo, pois as iniciativas da ONU remontam a 1972, ano da primeira Conferência sobre Meio Ambiente, e da instituição do PNUMA, Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, com o objetivo de debater o tema, a novidade nesse caso reside no interesse dos Estados e do mercado investidor em direcionar os investimentos para empresas que prestigiam e incorporam os princípios socioambientais.

Entretanto, a falta de padronização e a ausência dos critérios comuns a serem seguidos pelos fundos de investimentos impactam negativamente na credibilidade do setor financeiro mundial e prejudica a adesão das empresas aos princípios socioambientais. Tais obstáculos precisam ser encarados de forma célere afim de mitigar os possíveis prejuízos que causam, não só a essa categoria, mas a toda sociedade, que apresenta crescente preocupação com relação ao assunto.

A União Europeia, ao debruçar-se sobre o tema em 2021, decidiu por alterar o Regulamento Delegado (EU) 2017/565 e adotou o Regulamento Delegado (EU) 2021/1253. Assim, passou a exigir como requisito, para organização e exercício das atividades das empresas de investimentos, a observância dos aspectos socioambientais para a integração dos fatores, tais como riscos e preferências de sustentabilidade, com vigência prevista para 2 de agosto de 2022.

Tal medida representa um marco para as políticas de meio-ambiente, responsabilidade social e governança, além de ser um norte para o capital privado na transição para uma economia verde. Nota-se também, que a medida adotada pela União Europeia, mantém relação com os Princípios para o Investimento Responsável, lançados pela ONU em 2006, responsável por formalizar uma espécie de estrutura para a incorporação de questões ESG ao investimento.

ESG – Environment, Social & Governance ou Ambiental, Social e Governança (ASG) em português, é um conceito utilizado para se referir às práticas ambientais, sociais e de governança de uma empresa. Representa as práticas adotadas no intuito de minimizar seus impactos no meio ambiente, construir um mundo mais justo e responsável para as pessoas em seu entorno, além de manter os melhores processos de administração.

Desta forma, os preceitos de ESG têm caráter ilimitado, estendendo-se a toda sociedade rumo à sustentabilidade. Deve estar alinhada, portanto, com os objetivos comuns de desenvolvimento sustentável, a partir de princípios de uma boa governança, pautada em indicadores de transparência e ética, fortes os suficientes para orientar o capital privado durante a transição para uma economia verde.

O Brasil, na busca por se manter alinhado aos movimentos globais, em uma clara resposta às demandas do mercado financeiro internacional, recentemente instituiu a Resolução 59/21, que substituiu as instruções 480 e 481 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no qual institucionaliza normas reguladoras e procedimentos para as empresas de capital aberto, referentes a adoção de práticas de ESG.

Assim, a partir de 2023, as companhias passarão a informar a CVM se divulgam informações sobre os seus indicadores de ESG e, em caso positivo, além de apresentar o desempenho, deverão identificar se as práticas levam em consideração os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (“ODS”) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas. Também será necessário expor se as práticas ESG consideram as recomendações da Força-Tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas às Mudanças Climáticas (“TCFD”) ou as recomendações de divulgações financeiras de outras entidades reconhecidas e que sejam relacionadas a questões climáticas; dentre outros.

As inovações promovidas pela Instrução 59/21 da CVM, em sendo devidamente implementadas, alinharão a regulamentação brasileira aos avanços dos mercados internacionais desenvolvidos, e propiciarão um processo de decisão mais qualificado por parte dos investidores no tocante aos princípios ESG e aumentarão a transparência de informações ambientais, sociais e de governança corporativa, evitando manobras como o greenwashing, o tokenismo e o marketing da falsa inclusão, como informa a própria CVM em seu site.

Portanto, a iniciativa da CVM ao instituir a Resolução 59/21, não é apenas criar um novo conceito ou uma nova legislação, objetiva mudar o mercado como um todo e enquadrar-se às práticas internacionais, através da regulamentação jurídica. Na mesma medida, tenta-se atrelar todos esses fatores a questões sociais, unindo companhias e investidores em prol da cultura da diversidade, da preocupação ética e da preservação ambiental.

Todos esses aspectos reforçam o comprometimento do Brasil em apoiar a estratégia escolhida na Europa, para fomentar a padronização da legislação em relação às práticas e valores empresariais. Afinal, as novas normas têm o potencial de estimular o mercado e torná-lo mais atrativo e seguro.

Com os estímulos e solidez do mercado através das novas normas, as empresas que contribuírem com as práticas do ESG, serão capazes de gerar valor, aumentando a sua capacidade de gerar lucros e fortalecendo, inclusive, a própria marca. Desta forma, espera-se que, futuramente, não só as grandes corporações passem a adotar um método alinhado aos preceitos de ESG, mas que essas práticas se estendam às pequenas e médias empresas e startups.

É fácil perceber, portanto, que a CVM pretende que, com o tempo, a divulgação dos indicadores ESG pelas companhias emissoras de valores mobiliários, em conjunto com a participação da população e através da institucionalização dos valores socioambientais, seja suficientemente capazes para a promoção e o alcance do patamar de regras de pensamento e de ação social, não apenas de obrigação.

Assim, mesmo que existam alguns desafios, seja quanto a elaboração dos relatórios ESG ou em definir a melhor estrutura, seja ainda em assegurar consistência das informações, conformidade com padrões específicos e alinhamento das estratégias com os objetivos, compromissos e políticas próprias, é notável que as medidas adotadas pela CVM representam um marco para a pauta socioambiental no país, mobilizando o mercado e estimulando o setor empresarial a promover soluções em direção a uma economia verde.

 

Karina Nunes Rodrigues e Flávia Cardoso

Petrarca Advogados

 

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