As alterações promovidas pela resolução CVM 44/21 – Rafael Sasse Lobato e Túlio Foganholi Oliveira

O impacto das modificações promovidas pela resolução CVM 44, sobretudo, na divulgação de informações a respeito da negociação de valores mobiliários das companhias de capital aberto.

Em 23 de agosto de 2021 foi publicada a Resolução CVM 44, que substitui a Instrução CVM 358/02, dispondo sobre a divulgação de informações sobre ato ou fato relevante, a negociação de valores mobiliários na pendência de ato ou fato relevante não divulgado, e a divulgação de informações sobre a negociação de valores mobiliários das companhias de capital aberto.

As principais mudanças introduzidas pela nova Resolução envolvem presunções de acesso a informações privilegiadas e vedações autônomas à negociação de insiders, anteriormente à publicação e divulgação das informações contábeis das companhias.

A nova norma visa alinhar a regulamentação à jurisprudência atual da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no que envolve as acusações pelo uso indevido de informações privilegiadas durante a negociação de valores mobiliários.

Entre as principais mudanças, pode-se observar a redação do art. 13 da Resolução que versa sobre a vedação ao uso indevido de informações privilegiadas: 

“Art. 13. É vedada a utilização de informação relevante ainda não divulgada, por qualquer pessoa que a ela tenha tido acesso, com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem, mediante negociação de valores mobiliários.”

A proibição de que trata o caput do art. 13 da Resolução não se aplica a subscrições de novos valores mobiliários emitidos pela companhia, sem prejuízo da incidência das regras que dispõem sobre a divulgação de informações no contexto da emissão e oferta desses valores mobiliários (art. 13, § 4º).

Vale destacar que o art. 13, § 1º da Resolução prevê que a utilização de informação relevante ainda não divulgada é presumida em alguns casos:

§ 1º Para fins da caracterização do ilícito de que trata o caput, presume-se que:

I – a pessoa que negociou valores mobiliários dispondo de informação relevante ainda não divulgada fez uso de tal informação na referida negociação;

II – acionistas controladores, diretos ou indiretos, diretores, membros do conselho de administração e do conselho fiscal, e a própria companhia, em relação aos negócios com valores mobiliários de própria emissão, têm acesso a toda informação relevante ainda não divulgada;

III – as pessoas listadas no inciso II, bem como aqueles que tenham relação comercial, profissional ou de confiança com a companhia, ao terem tido acesso a informação relevante ainda não divulgada sabem que se trata de informação privilegiada;

IV – o administrador que se afasta da companhia dispondo de informação relevante e ainda não divulgada se vale de tal informação caso negocie valores mobiliários emitidos pela companhia no período de 3 (três) meses contados do seu desligamento;

V – são relevantes, a partir do momento em que iniciados estudos ou análises relativos à matéria, as informações acerca de operações de incorporação, cisão total ou parcial, fusão, transformação, ou qualquer forma de reorganização societária ou combinação de negócios, mudança no controle da companhia, inclusive por meio de celebração, alteração ou rescisão de acordo de acionistas, decisão de promover o cancelamento de registro da companhia aberta ou mudança do ambiente ou segmento de negociação das ações de sua emissão; e

VI – são relevantes as informações acerca de pedido de recuperação judicial ou extrajudicial e de falência efetuados pela própria companhia, a partir do momento em que iniciados estudos ou análises relativos a tal pedido.

Dessa forma, é vedado a qualquer pessoa que obtiver informações que, de acordo com a Resolução, sejam consideras relevantes (conforme definido no art. 13, § 1º, incisos V e VI) e ainda não divulgadas, a utilização de tais informações para a negociação de valores mobiliários, sendo presumida essa utilização indevida nos casos previstos no art. 13, § 1º, incisos I a IV da Resolução.

Nos termos do art. 13, § 3º da Resolução, as presunções do § 1º não se aplicam aos casos de aquisição, por meio de negociação privada, de ações que se encontrem em tesouraria, decorrente do exercício de opção de compra de acordo com plano de outorga de opção de compra de ações aprovado em assembleia geral, ou quando se tratar de outorga de ações à administradores, empregados ou prestadores de serviços como parte de remuneração previamente aprovada em assembleia geral (inciso I).

Da mesma forma, também não se aplicam as presunções do § 1º do art. 13 às negociações de valores mobiliários de renda fixa, quando realizadas mediante operações com compromissos conjugados de recompra pelo vendedor e de revenda pelo comprador, para liquidação em data preestabelecida, anterior ou igual à do vencimento dos títulos objeto da operação, realizadas com rentabilidade ou parâmetros de remuneração predefinidos (inciso II).

Ademais, de acordo com o § 2º do art. 13 da Resolução, as presunções previstas no § 1º são relativas e devem ser analisadas em conjunto com outros elementos que indiquem se o ilícito previsto no caput foi ou não, de fato, praticado (inciso I), e podem, se for o caso, ser utilizadas de forma combinada (inciso II).

Além disso, a nova norma introduz, em caráter complementar, um período de vedação autônoma de 15 (quinze) dias em relação à negociação de valores mobiliários, por parte de acionistas controladores, diretores, membros do conselho de administração e do conselho fiscal, anteriormente à divulgação de informações contábeis trimestrais e demonstrações financeiras anuais (art. 14 da Resolução):

“Art. 14. No período de 15 (quinze) dias que anteceder a data da divulgação das informações contábeis trimestrais e das demonstrações financeiras anuais da companhia, a companhia, os acionistas controladores, diretores, membros do conselho de administração e do conselho fiscal ficam impedidos de efetuar qualquer negociação com os valores mobiliários de emissão da companhia, ou a eles referenciados, independentemente do conhecimento, por tais pessoas, do conteúdo das informações contábeis trimestrais e das demonstrações financeiras anuais da companhia.”

Vale notar que não se incluem na proibição do art. 14 os membros de comitês técnicos e consultivos das companhias, tendo em vista que o impedimento se aplica apenas aos seus administradores e membros do conselho fiscal.

A proibição de que trata o caput do art. 14 acima não se aplica às negociações envolvendo valores mobiliários de renda fixa, quando realizadas mediante operações com compromissos conjugados de recompra pelo vendedor e de revenda pelo comprador, para liquidação em data preestabelecida, anterior ou igual à do vencimento dos títulos objeto da operação, realizadas com rentabilidade ou parâmetros de remuneração predefinidos (art. 14, § 3º, inciso I).

Da mesma forma, a vedação do caput art. 14 não se aplica às operações destinadas a cumprir obrigações assumidas antes do início do período de vedação decorrentes de empréstimos de valores mobiliários, exercício de opções de compra ou venda por terceiros e contratos de compra e venda a termo (art. 14, § 3º, inciso II), ou às negociações realizadas por instituições financeiras e pessoas jurídicas integrantes de seu grupo econômico, desde que efetuadas no curso normal de seus negócios e dentro de parâmetros preestabelecidos na política de negociação da companhia (art. 14, § 3º, inciso III).

Ademais, o art. 16 da Resolução traz uma flexibilização para as pessoas que tenham alguma relação com a companhia que as tornem potencialmente sujeitas à presunção do art. 13, § 1º da Resolução, qual seja, a criação de planos individuais de investimento ou desinvestimento, cujo objetivo é afastar a aplicabilidade daquelas presunções.

Os planos de investimento ou desinvestimento devem ser formalizados por escrito (art. 16, § 1º, inciso I); devem ser passíveis de verificação, inclusive quanto à sua instituição e quanto à realização de qualquer alteração em seu conteúdo ((art. 16, § 1º, inciso II); devem estabelecer, em caráter irrevogável e irretratável, as datas ou eventos e os valores ou quantidades dos negócios a serem realizados pelos participantes (art. 16, § 1º, inciso III); e devem prever prazo mínimo de 3 (três) meses para que o próprio plano, suas eventuais modificações e cancelamento produzam efeitos (art. 16, § 1º, inciso IV).

De acordo com o §2° do Art. 16 da Resolução CVM 44/21:

“§2°. Os planos de investimento ou desinvestimento instituídos pelas pessoas referidas no art. 14 podem permitir a negociação de valores mobiliários de emissão da companhia no período previsto naquele artigo, desde que, além de observado o disposto no § 1º:

I – a companhia tenha aprovado cronograma definindo datas específicas para divulgação das informações contábeis trimestrais e das demonstrações financeiras anuais; e

II – obriguem seus participantes a reverter à companhia quaisquer perdas evitadas ou ganhos potenciais auferidos em negociações com valores mobiliários de emissão da companhia, decorrentes de eventual alteração nas datas de divulgação das informações contábeis trimestrais e das demonstrações financeiras anuais, apurados por critérios razoáveis e passíveis de verificação definidos pelo próprio plano.”

Sendo assim, as pessoas citadas no art. 14 da Resolução (acionistas controladores, diretores, membros do conselho de administração e do conselho fiscal) podem realizar um plano de investimento ou desinvestimento, sem que se aplique a vedação do caput do art. 14 da Resolução.

As companhias devem exigir que os planos de investimento ou desinvestimento sejam formalizados por escrito perante o Diretor de Relações com Investidores (art. 16, § 4º, inciso I), e que o seu Conselho de Administração verifique, ao menos semestralmente, a aderência das negociações realizadas pelos participantes sujeitos à política de negociação aos planos de investimento ou desinvestimento por eles formalizados (art. 16, § 1º, inciso II).

Ademais, o art. 17 da Resolução promove uma restrição na obrigatoriedade de elaboração da política de divulgação de ato ou fato relevante, uma vez que, anteriormente, era aplicável para todas as companhias abertas.

Com a nova redação, a obrigatoriedade se aplica apenas às companhias que: estejam registradas na categoria A que (i) tenham sido autorizadas por entidade administradora de mercado à negociação de ações em bolsa de valores; e que (ii) tenham ações em circulação, consideradas as ações da companhia, com exceção das de titularidade do controlador, das pessoas a ele vinculadas, dos administradores da companhia e daquelas mantidas em tesouraria (art. 17, § 3°, inciso I, II e III).

O art. 21 da Resolução prevê que as presunções e vedações da Resolução se aplicam às negociações realizadas: dentro ou fora de ambientes de mercado regulamentado de valores mobiliários (inciso I); direta ou indiretamente, seja por meio de sociedades controladas ou de terceiros com quem seja mantido contrato de fidúcia ou administração de carteira (inciso II); e por conta própria ou de terceiros (inciso III).

Apesar de não se considerarem negociações indiretas (ou por conta de terceiros) aquelas realizadas por fundos de investimento de que sejam cotistas as pessoas mencionadas na Resolução, desde que as decisões não possam ser influenciadas por esses cotistas (art. 21, § 1º da Resolução), nas negociações de fundos de investimento exclusivo, tais negociações são presumidas como decididas sob influência do cotista (art. 21, § 2º), admitindo-se, entretanto, prova em contrário.

Todavia, não se aplica a presunção do art. 21, § 2º da Resolução aos fundos de investimento exclusivos cujos cotistas sejam seguradoras ou entidades abertas de previdência complementar e que tenham por objetivo a aplicação de recursos de plano gerador de benefício livre (PGBL) e de vida gerador de benefícios livres (VGBL), durante o período de diferimento (art. 21, § 3º).

Por último, em relação à classificação como infração grave (art. 19 da Resolução), foi suprimida a obrigatoriedade de comunicação ao Ministério Público caso a infração possa constituir crime, que antes constava da Instrução CVM 358/02.

Podemos concluir, portanto, que a nova Resolução CVM 44/21 trouxe importantes inovações, em especial sobre a presunção de uso indevido de informações privilegiadas por pessoas que tenham ligação com a companhia, mas permitindo que as companhias aprovem planos de investimentos a permitir a negociação de valores mobiliários por administradores da companhia.

Rafael Sasse Lobato
Advogado colaborador do escritório Petrarca Advogados.

Túlio Foganholi Oliveira
Graduando em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UniCeub. Estudante de Ciências Contábeis na Universidade de Brasília – UnB. Colaborador do escritório Petrarca Advogados.

Petrarca Advogados