A decisão foi unânime e manteve a sentença da juíza Adriana Seelig Gonçalves, da 1ª Vara do Trabalho de Canoas. Como secretária-geral do sindicato de trabalhadores, a autora foi a única representante da categoria a assinar a petição de um pedido de mediação pré-processual, juntamente com o advogado de sua entidade. A primeira audiência ocorreu em março de 2021 e o desligamento da plataforma foi em maio daquele ano, uma semana antes da segunda audiência. A indenização por danos materiais foi fixada em R$ 4,4 mil e em R$ 11 mil por danos morais.
A empresa alegou que a motorista foi excluída do cadastro em razão de denúncias dos usuários. As queixas incluíam xingamentos a um passageiro alcoolizado e suposto furto, em 2019, além direção perigosa, em 2020. Ainda houve uma acusação de que a autora criou um perfil falso, em 2018. O perfil foi logo excluído pela empresa, sem aplicação de outras penalidades. Em outro caso, ocorrido no mês da exclusão, a autora foi acusada de ter uma arma de fogo, atrás do próprio banco. A motorista registrou ocorrência policial, alegando que o objeto, que se constatou ser uma arma de brinquedo, foi deixado por outro passageiro.
A magistrada Adriana avaliou que houve perdão tácito da empresa em relação às primeiras situações, pois passado todo o tempo desde a primeira ocorrência, em 2018, nenhuma punição foi aplicada. Na situação da arma, alegada como a legítima causa da exclusão, a juíza considerou que não era razoável a motorista pôr em risco a própria vida e que os fatos foram esclarecidos com o imediato registro de ocorrência policial. Ainda abonando a atividade da profissional, foi verificado que a média das notas atribuídas à condutora, em mais de 1,2 mil corridas, era de 4,92 em um máximo de 5.
“A proximidade entre esses fatos e a suspensão definitiva da autora da plataforma, considerando a falta de prova das alegações da ré, comprovam que a reclamada visou impedir e/ou dificultar a atuação sindical da reclamante ao bloqueá-la”, afirmou a magistrada. Para a juíza, a atitude da empresa se caracterizou como antissindical, ofendendo as disposições da Convenção 98 da OIT, relativas ao direito de sindicalização e de negociação e ao princípio constitucional da liberdade sindical, da qual o país é signatário.
Outro aspecto apontado na sentença foi a violação aos direitos humanos da autora, que não teve a possibilidade de entrar em contato com um representante da empresa, sendo “atendida” apenas por canais do próprio aplicativo. Segundo relato da trabalhadora, somente motoristas classificados na categoria “diamante” têm acesso a um telefone para falar com atendentes. A juíza entendeu que o art. 20 da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD, nº 13.853/2019), que prevê o direito à revisão de decisões tomadas unicamente em tratamento automatizado de dados, não foi respeitado. “Tal dispositivo assegura o direito fundamental ao contraditório e à ampla defesa”, salientou a juíza.
“O que se nota é a falta de transparência no bloqueio da reclamante da plataforma da ré. À reclamada incumbia o ônus de provar que o bloqueio da reclamante da plataforma não decorreu de gerenciamento algorítmico”, destacou a juíza. No entanto, a empresa não pode ser condenada a reativar o cadastro da motorista, com base no princípio da autonomia privada, conforme entendimento da magistrada.
A empresa recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), mas o recurso não foi provido. O relator do acórdão, desembargador Marcos Fagundes Salomão, chamou a atenção para o fato de que o bloqueio da autora foi efetivado durante a tramitação de Pedido de Mediação Pré-Processual, sendo nítida a tentativa de frustrar a atuação sindical.
“O procedimento adotado se equipara à despedida do empregado que tem garantia no emprego por ser dirigente sindical e, evidentemente, defende os interesses de sua categoria profissional”, avaliou o desembargador. O magistrado enfatizou que a liberdade associativa e sindical é uma previsão constitucional, além de mencionar as convenções internacionais e dispositivos penais, que preveem detenção e multa para quem constranger alguém a participar ou deixar de participar da atividade sindical.
Também participaram do julgamento os desembargadores Cláudio Antônio Cassou Barbosa e Rejane Souza Pedra. A empresa apresentou recurso ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).