Processo PAS CVM Nº 19957.010098/2019-51 (RJ2015/9195)

Ausência de práticas equitativas e de informações claras e precisas em transação realizada para capitalizar a Companhia ensejaram a condenação de multa e inabilitação dos administradores.

Contexto fático

O processo foi instaurado para averiguar suposto uso de práticas não equitativas em operações de subscrição privada de ações de emissão da Agrenco Limited (“Companhia”), realizadas pelo fundo de investimento Global Yield Fund Limited (“Fundo GEM”).

Os atos tidos como irregulares foram realizados no âmbito de operação de financiamento em que o Fundo GEM se comprometera a subscrever privadamente ações de emissão da Companhia até o montante de R$130.000.000,00 (cento e trinta milhões de reais), por meio de um ou mais aumentos de capital, em contrapartida ao recebimento de remuneração contratualmente ajustada.

A Acusação apontou que, na verdade, o Fundo GEM não aportou recursos próprios na Companhia, mas sim, ‘captou’ tais recursos no mercado com a venda das ações emprestadas pela controlada da Companhia. Referida prática representa grave infração ao disposto nos inciso I e II, letra “d”, da Instrução CVM n° 08/1979, que determinam ser vedada aos (i) administradores e acionistas de companhias abertas; (ii) aos intermediários e (iii) aos demais participantes do mercado de valores mobiliários, a criação de condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários, a manipulação de preço, a realização de operações fraudulentas e o uso de práticas não eqüitativas.

Segundo mencionada Instrução da CVM, as práticas não equitativas, são aquelas que, direta ou indiretamente, resultam em um tratamento privilegiado para qualquer das partes em negociações com valores mobiliários, colocando-a em uma indevida posição de desequilíbrio ou desigualdade em face dos demais participantes da operação.

Os acusados envolvidos na operação foram a Agrenco Holding B.V. (controladora da Companhia), a I.P.P.S.P.E. Empreendimentos e Participações S.A. (subsidiária da Companhia), Kewalan Empreendimentos e Participações S.A. (subsidiária da GEM), e outros quatro acusados (ex-administradores).

Fundamentos da decisão

O Diretor Relator apontou que, não obstante o quanto alegado pela Defesa, mesmo que a Agrenco Limited seja uma emissora internacional, a operação como se sucedeu, jamais poderia ter ocorrido à luz das normas aplicáveis em território nacional. Isso porque, apesar da Agrenco Limited ser sociedade constituída no exterior, ela se financiava principalmente no mercado brasileiro e consequentemente estava sujeita à aplicação da legislação brasileira, incluindo-se, a Instrução CVM n° 08/1979.

Com relação à divulgação da operação, conforme o relatório da área técnica produzido nos autos do processo, esta infringiu, de fato, o disposto na Instrução CVM n° 08/1979, pois houve deficiência intencional na divulgação das informações da operação e da atuação do Fundo GEM no mercado. Apesar da operação ter sido divulgada pela Agrenco Limited, a divulgação não foi clara e precisa quanto à relação entre os Acusados no trâmite operacional, violando também, as determinações dos artigos 14 e 16 da Instrução CVM 480/2009, que apontam que as comunicações têm que ser claras e específicas.

Ademais, e mais importante para o Diretor Relator, foi o fato de que nenhum fato relevante divulgado pela Agrenco Limited informou que a operação tratava, em sua essência, da capitalização da Companhia de recursos obtidos no mercado brasileiro. O mercado criou altas expectativas, pois acreditava que havia um grande investidor, o Fundo GEM, que estava disposto a aportar recursos e correr riscos em tratar com a Agrencon Limited (que estava enfrentando grave crise financeira à época) e auxiliá-la na recuperação de sua saúde financeira.

Contudo, na verdade, o Fundo GEM não corria riscos nos negócios desempenhados pela Agrenco Limited, omitindo a verdadeira natureza econômica da operação. Dessa forma, a comunicação de informações intencionalmente imprecisas e incompletas pela Companhia, não permitiu que investidores brasileiros compreendessem por completo a operação, induzindo os participantes do mercado a erro.

Com relação aos acusados, o Relator entendeu que:

  • Dois dos ex-administradores foram os principais autores da infração administrativa, pois foram eles que negociaram, estruturaram e executaram a operação. Em conjunto com o Fundo GEM, praticaram quase todos os atos que constituíram as irregularidades;
  • O relatório técnico não apresentou provas de que os outros dois ex-administradores tinham conhecimento das irregularidades praticadas durante a operação;
  • A Acusada Kewalan, responsável pela venda das ações no mercado, também foi autora da infração administrativa, pois além de ter participação na operação, também auxiliou a divulgação intencional de informações imprecisas e deficientes;
  • As Acusadas Agrenco Holding e a I.P.P.S.P.E. Empreendimentos concorreram ativamente nas práticas irregulares, também devendo ser responsabilizadas, pois foram elas as responsáveis pela transferência de ações na operação, sendo inerentes para a consumação do feito.

– Decisão

O Relator apontou que a realização de prática não equitativa é considerada infração grave, e que, as irregularidades dolosas do caso concreto, foram consumadas constante e reiteradamente.

Por este motivo, o Colegiado da CVM, acompanhando o voto do Diretor, decidiu por:

  • Condenar: A Acusada Kewalan, à penalidade de proibição temporária de 5 (cinco) anos na atuação direta ou indireta, em qualquer das modalidades de operação do mercado de valores imobiliários, em razão do uso de práticas não equitativas;
  • Condenar: Um dos ex-administradores, então presidente do Conselho da Agrenco Limited, à penalidade de inabilitação temporária por dois anos, para o exercício do cargo de administrador em companhia aberta pelo uso de práticas não equitativas;
  • Condenar: Outro dos ex-administradors da Agrenco Limited, à penalidade de inabilitação temporária por dois anos e quatro meses, para o exercício do cargo de administrador em companhia aberta pelo uso de práticas não equitativas;
  • Absolver: Os demais ex-administradores acusados pelo uso de práticas não equitativas;
  • Condenar: As Acusadas Agrenco Holding e I.P.P.S.P.E. Empreendimentos, à penalidade de multa pecuniária no valor de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais) por ter concorrido para o uso de práticas não equitativas.

 Confira a integra da decisão: http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/noticias/anexos/2020/20200707_PAS_CVM_SEI_19957_010098_2019_51_voto_diretor_relator_gustavo_gonzalez.pdf

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