Via @bernardorcampos | Bernardo Regueira Campos, advogado no escritório Guandalini, Isfer e Oliveira Franco Advogados, é a primeira pessoa a publicar um artigo acadêmico como NFT na blockchain da Ethereum, livremente acessível, de que se tem notícia. E também é a primeira coleção de artigos acadêmicos publicados na rede Ethereum (o autor se comprometeu ainda a publicar todos os seus futuros artigos e livros como NFTs, como parte da ARTicles collection).
O ARTigo busca abordar as possibilidades e principais aplicações das NFTs, fazendo uma análise das questões jurídicas que podem surgir. E pra mostrar tudo isso na prática, o próprio ARTigo foi criado como uma NFT, analisando passo a passo quais são os problemas legais que surgem, e como solucioná-los. E, ao final, o artigo mostra como a NFT e o smart contract da NFT foram criados na rede Ethereum.
A ideia é tentar servir como guia tanto para advogados quanto para a comunidade da Web3 (de artistas, programadores a investidores), bem como entusiastas.
Mas e o que são NFTs?
NFT (token não-fungível) é um arquivo digital único, como uma obra de arte ou um imóvel, e que vive numa blockchain, uma “base de dados” imutável. NFTs podem ser ou representar bens (físicos e/ou digitais), e/ou serviços, e/ou direito e/ou expectativa de direito.
Os usos mais comuns são na arte, música, colecionáveis, ingressos, passes de acesso (sala VIPs e programas de fidelidade), ativos dentro de jogos (de carros a terrenos). E como ferramentas para fidelizar clientes (ex.: cupons de desconto) e construir comunidades. Além de também poderem representar ativos de mundo real, como arte física e imóveis.
Alguns exemplos são as NFTs do Bored Ape Yacht Club (BAYC), uma coleção de 10.000 NFTs cujas unidades mais baratas estão sendo anunciadas por pelo menos R$ 556.000,00 (em 24 de junho de 2022). Algumas celebridades possuem NFTs dessa coleção, como Justin Bieber, Snoop Dogg, Madonna, Paris Hilton e Neymar, que em janeiro pagou aproximadamente R$ 6 milhões por duas NFTs BAYC.
Ter uma NFT desta coleção dá benefícios e direitos como receber de graça NFTs e tokens futuros que a coleção venha a lançar, como aconteceu com os Mutant Ape Yacht Club (MAYC) e o token APE COIN (APE), os quais, juntos, chegaram a render centenas e até milhões de reais em lucros para os holders. Também se tem acesso a festas e shows fechados para a comunidade, como shows exclusivos em Nova Iorque com artistas como The Strokes. O titular de um BAYC também tem uma licença para explorar comercialmente os direitos autorais das obras, já tendo casos de holders que criaram uma rede de lanchonetes chamada Bored and Hungry, utilizando da NFT como logo(1), sem falar da própria Adidas, que comprou um BAYC e criou toda uma marca por trás para auxiliar na sua entrada ao metaverso.
Também vale mencionar a tokenização de ativos, como já vem ocorrendo nos EUA, a exemplo de uma casa (física) na Flórida que foi leiloada e vendida como uma NFT por US$ 630 mil, a qual, por sua vez, representa a titularidade de uma sociedade limitada (LLC) (2), que é a dona do imóvel no registro de imóveis, e também da Meta Residence, casa que terá versão física e digital iguais (3).
As possibilidades não param por aí. Alguns usos futuros são na área de dados, especialmente na medicina, finanças e anúncios. De acordo com o autor, nós vamos poder ser donos dos nossos próprios dados e faturar junto com as gigantes das indústrias farmacêutica, bancária e de tecnologia, como Google e Meta. Além disso, estima-se que em 10 anos todas as empresas, incluindo o café da esquina, terão NFTs digital twins, que são réplicas digitais dos bens físicos, bem como NFTs dando descontos, fidelizando, e até mesmo dando alguma espécie de participação no sucesso do negócio.
E quais são os problemas jurídicos a serem enfrentados?
O cerne da questão é que as NFTs trazem mais complexidade aos envolvidos quando comparamos com a Web2 (internet como conhecemos hoje) ou até mesmo com o resto da Web3 (nova internet, referente à criptomoedas, NFTs e Metaverso), visto que os projetos mais simples podem ter:
• várias partes envolvidas, como uma equipe ou empresa por trás do projeto, um artista, o minter (o primeiro a comprar uma NFT), o holder (aquele que possui uma NFT), DAO (organizações autônomas descentralizadas), museu que expõe NFTs no metaverso, um marketplace (site de venda de NFTs, como opensea.io), entre outros
• diversos possíveis regimes jurídicos aplicáveis a cada uma das relações, contrato de compra e venda, contrato de licenciamento dos direitos autorais, smart contract, a autoria da obra de arte, e se foi feita a título de parceria, freelancer ou CLT, a estrutura da equipe por trás do projeto, se é uma empresa regida pela CLT ou uma parceria informal, dentre outros;
• o que resulta em vários tipos de direitos envolvidos, como direito de propriedade, direito do consumidor, direito societário, direito da tecnologia, LGPD, direito tributário, direitos autorais, e de marcas e patentes, relação de trabalho entre autor e equipe, direito internacional privado, direito de concorrência, dentre outros;
• sem mencionar colaborações com outros projetos, e até mesmo novos empreendimentos, a exemplo da colaboração da Adidas com o BAYC, e da criação de uma criptomoeda e até mesmo um jogo de metaverso pelo BAYC.
Ainda há a dificuldade em se definir a lei aplicável e a jurisdição competente, visto que os indivíduos que interagem frequentemente são de diferentes países.
E, para agravar a situação, até mesmo nos raros casos em que estas questões são endereçadas em termos e condições, estes termos e condições raramente (para não dizer nunca) se encontram no smart contract, mas apenas no site do projeto ou nas redes sociais, como no aplicativo de mensagem Discord. O ponto levantado pelo autor é que termos e condições que não estão inseridos no smart contract podem não ser aplicáveis, visto que não há como comprovar que o adquirente da NFT teve acesso a eles, muito menos se concordou com os termos, visto que as compras podem se dar em marketplaces, diretamente no smart contract ou até mesmo entre dois usuários (P2P).
Assim, para mostrar na prática como alguns dos problemas podem ser resolvidos, o autor colocou o contrato (com cláusulas, termos e condições normais) e o próprio roadmap no smart contract, além de ter colocado a licença de direitos autorais na própria metadata da NFT.
Bernardo Regueira Campos (@bernardorcampos) é entusiasta em Bitcoin desde 2015, pós-graduando em Direito dos Criptoativos e Blockchain pela Esmafe-PR, e em Direito Empresarial pela FGV-SP, além de Presidente do Conselho de Ativos Digitais e Blockchain da Associação Comercial do Paraná, e administrador do grupo MetaverseLegal.
Link: https://www.direitonews.com.br/2022/06/advogado-primeira-nft-artigo-academico-juridicos.html