Tema já aportou ao STJ, que negou implantação sem autorização expressa do falecido.
O direito de implantar embriões por um dos membros do casal, quando o outro não estiver mais vivo, poderá se tornar realidade, caso o Congresso aprove o projeto de lei 1.851/22, em tramitação no Senado. O ordenamento jurídico brasileiro não tem legislação quanto a essa questão.
De autoria da senadora Mara Gabrilli, o PL prevê que o cônjuge (ou companheiro) sobrevivente poderá aproveitar embriões do casal que se submeteu conjuntamente a técnica de reprodução assistida, mesmo sem autorização expressa. É o que a parlamentar classifica de “consentimento presumido”.
Pelo texto, a implantação só seria negada se o falecido tiver deixado explícita sua recusa para caso de morte.
Autorização
O que o PL 1.851/22 propõe é a inserção de dois parágrafos no artigo 1.597 do CC/02, de forma a tornar possível a implantação dos embriões, independentemente da autorização prévia expressa do cônjuge ou companheiro falecido.
Se, porém, a pessoa falecida tiver deixado explícita a sua recusa em consentir a utilização post mortem de embriões, essa vontade será necessariamente respeitada, tenha sido firmada em testamento, outro documento formal equivalente ou mesmo no termo formal de submissão às técnicas de reprodução assistida.
O projeto define ainda a responsabilidade das clínicas médicas, centros ou serviços responsáveis pela reprodução assistida: “deverão indagar ao cônjuge ou companheiro, na oportunidade em que for documentada a sua autorização para participar de técnicas de reprodução assistida, se discorda quanto ao uso desse material para a fecundação artificial ou implantação de embriões após a sua morte, registrando a sua manifestação de vontade no mesmo documento.”
Discussão sobre o tema
Já existe um projeto (PLS 90/99) que trata da reprodução assistida, o qual exige a autorização. Mas, apesar de ter sido aprovado no Senado em 2003, aguarda até hoje análise na Câmara.
Apresentado há 23 anos pelo então senador Lúcio Alcântara, o texto estabelece que é “obrigatório o descarte de gametas” nos casos de falecimento do depositante, “salvo se houver manifestação de sua vontade, expressa em documento de consentimento livre e esclarecido ou em testamento, permitindo a utilização póstuma” do material.
Utilizar gametas sem a autorização prévia de depositantes falecidos, diz o texto, será considerado crime, punível com pena de reclusão de um a três anos e multa.
Para a autora do projeto recente, “independentemente da existência dessa proposição legislativa que se arrasta na Casa revisora (…), não podemos deixar de nos sensibilizar com problemas dos mais diversos que essa lacuna vem causando à sociedade brasileira”.
Tema no Judiciário
Em junho de 2021, o sensível tema aportou ao STJ. A 4ª turma, por maioria, proibiu a implantação de embriões criopreservados em uma viúva, por entender que tal procedimento, para ser realizado após a morte do cônjuge, dependeria de consentimento expresso e inequívoco.
Na origem do caso, os filhos do primeiro casamento pediram judicialmente que fosse impedida a utilização do material genético do pai – morto em 2017 – pela madrasta viúva, sustentando não existir documento que comprovasse autorização dada em vida.
O falecido e a viúva eram casados desde 2013 sob o regime legal de separação absoluta de bens, já que ele tinha 72 anos na época da celebração do matrimônio. Em testamento particular, o falecido teria deixado a parte disponível da herança para os filhos do primeiro casamento e, para a esposa, o valor de R$ 10 milhões, além do dinheiro necessário para a compra de um apartamento.
A viúva alegou que haveria autorização do marido para a criopreservação e posterior implantação dos embriões, e que não existiria exigência legal quanto à forma de manifestação desse consentimento.
O relator, ministro Luis Felipe Salomão, lembrou que o Conselho de Medicina prevê a necessidade de autorização prévia. Na resolução 2.294/21, o CFM fixa o seguinte procedimento para reprodução assistida post mortem: “é permitida (…) desde que haja autorização específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado”.
Para o ministro, como a utilização dos embriões projetaria efeitos não só patrimoniais, mas relacionados à personalidade do genitor, a manifestação da vontade deveria se dar de maneira incontestável, por meio de testamento ou outro instrumento equivalente.
Relembre o caso aqui.
Segurança jurídica
Segundo Mara Gabrilli, embora a matéria seja disciplinada por resolução do Conselho Federal de Medicina, tal normativa “não tem a estatura de lei, em sentido formal, e foi concebida apenas para regular a conduta ética da classe médica”. Sem uma previsão legal, são muitos os casos que acabam destinados a decisão judicial.
Ela destaca que o objetivo do texto é “dar uma guinada” no quadro de insegurança jurídica, “a fim de tornar presumido o consentimento para a utilização post mortem dos embriões, a não ser que haja “negativa devidamente documentada”.
Tramitação: PL 1.851/22 e PLS 90/99
Por: Redação do Migalhas