Em 2021, o número de ações trabalhistas envolvendo o tema “trabalho em condições análogas às de escravo” voltou a crescer no Ceará. Foram 24 processos registrados com esse assunto, somando o primeiro e o segundo graus da Justiça do Trabalho cearense. Em 2020, essa quantidade foi de 12 ações, o que representava uma queda em relação a 2019, que registrou 18 processos. Neste 28 de janeiro, Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, o Tribunal Regional do Trabalho do Ceará (TRT/CE) alerta empresas, sindicatos, instituições parceiras e sociedade em geral para reforçar as medidas de erradicação desse crime.
As ações trabalhistas cadastradas com esse assunto no sistema do TRT/CE podem dizer respeito tanto a indenizações em favor de trabalhadores quanto a revisões de multas aplicadas aos empregadores. Os números não correspondem, necessariamente, à quantidade de trabalhadores resgatados em condições análogas às de escravo, já que essa contagem cabe a órgãos de fiscalização, como a Superintendência Regional do Trabalho no Ceará (SRTB) e o Ministério Público do Trabalho.
Para o desembargador do TRT/CE Francisco José Gomes da Silva, gestor regional do Programa Trabalho Seguro, o trabalho análogo ao de escravo é, além de um crime, uma das formas mais degradantes de exploração do ser humano. “São condições de trabalho insalubres e perigosas, com jornadas excessivas, sem que o trabalhador tenha acesso a alimentação adequada, água potável ou a equipamentos de proteção individual (EPIs). Enfim, é uma série de descasos do empregador que trata o trabalhador de maneira vexatória e humilhante”, avalia.
Entre as razões que explicam esse cenário está a Reforma Trabalhista de 2017, segundo o magistrado. “Ela trouxe muitos malefícios ao trabalhador e deu muito poder aos patrões, fazendo com que o descumprimento de normas de proteção aconteça de forma mais comum. Além disso, a ganância excessiva de alguns maus empregadores acentua essa forma de tratamento desumano do empregado”, considera.
Carnaúba
A extração de palha e cera de carnaúba é uma das atividades que vêm chamando a atenção com evidentes episódios de trabalho análogo ao de escravo. “Essa forma de extrativismo vegetal utiliza a mesma metodologia precária de trabalho há mais de 100 anos, na qual o trabalhador se submete a condições perigosas. O extrator manuseia uma vara de 5 a 10 metros de comprimento com uma foice na ponta para derrubar as folhas da planta, que, quando caem, apresentam um alto risco de acidente de trabalho”, explica o desembargador.
“Alguns empresários tratam essas pessoas em condições semelhantes às de escravo, não respeitando as mínimas condições de vida e de trabalho, como não assinar a Carteira, não fornecer banheiros, alojamentos dignos nem EPIs, além de não pagar verbas trabalhistas essenciais”, alerta.
Parcerias
Com o objetivo de combater o trabalho escravo, a Justiça Trabalhista do Ceará tem se articulado com outras instituições para executar ações sobre o assunto. No dia 1º de dezembro de 2021, a presidente do TRT/CE, desembargadora Regina Gláucia Nepomuceno, recebeu a visita de representantes da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Ceará (Fetraece), da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (Faec), da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) e da Superintendência Regional do Trabalho do Ceará (SRTr-CE).
Com a presença dos gestores regionais do Programa Trabalho Seguro, desembargador Franzé Gomes e juiz Carlos Rebonatto, o grupo discutiu sobre as dificuldades e oportunidades do setor para enfrentar o trabalho escravo e também deu início ao planejamento para elaboração de uma campanha conjunta de sensibilização envolvendo toda a sociedade.
“A Justiça do Trabalho e os órgãos parceiros têm o compromisso de pôr fim ao trabalho em condições análogas às de escravo, em particular na extração da carnaúba. Planejamos firmar pacto entre os sindicatos laboral e patronal, federações e outras entidades na busca de solucionar de uma vez por todas esse problema social e levar dignidade aos trabalhadores”, finaliza.
Denúncias
Denúncias de trabalho análogo ao de escravo podem ser feitas no Sistema Ipê, do Governo Federal, ou no site do Ministério Público do Trabalho.