Energia e telecomunicações não podem ter ICMS majorado

Carga tributária deve ser menor para bens e serviços essenciais, decide STF

Os estados não podem cobrar alíquotas de imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) sobre o fornecimento de energia e serviços de telecomunicações que sejam superiores às alíquotas ordinárias. Foi o que decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamento recente.

“No voto condutor do acórdão, afirmou-se que adotada a seletividade pela legislação estadual, a carga tributária para determinado bem ou serviço deverá ser estabelecida na razão inversa da sua imprescindibilidade”, afirma a advogada Bruna Luppi, associada do Vieira Rezende Advogados. Ou seja, como energia e telecomunicações são essenciais, as alíquotas que incidem sobre esses serviços devem ser baixas — ou pelo menos não podem superar as alíquotas ordinárias (das operações em geral).

A decisão do STF se refere a uma ação movida pelas Lojas Americanas em Santa Catarina, que questionava o pagamento de uma alíquota de 25% de ICMS sobre os serviços de energia elétrica e telecomunicações, superior à alíquota geral de 17% incidente sobre a maioria das operações desse estado.

Luppi explica que todos os contribuintes que já possuem ação judicial em curso poderão ser beneficiados pela decisão do STF. Para os demais, é necessário ingressar com uma ação, pois a decisão não se aplica automaticamente. Porém, como a repercussão geral do tema foi reconhecida, o entendimento do Supremo deverá ser seguido por todos os tribunais ao analisarem processos sobre o mesmo assunto.

A corte ainda irá definir a respeito da modulação dos efeitos da decisão, ou seja, a partir de quando a alíquota do ICMS para energia e telecomunicações será reduzida. A votação sobre a modulação foi suspensa por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes e deve ser retomada no próximo dia 10 de dezembro, conforme noticiou o portal Jota.

Na entrevista abaixo, Luppi explica como funciona a cobrança do ICMS e analisa os impactos da decisão do STF.

No que consiste o percentual ordinário de ICMS cobrado pelos estados?
Bruna Luppi: O ICMS está previsto no artigo 155, inciso II da Constituição da República (CF/88) e é regulado pela Lei Complementar 87/96, conhecida como Lei Kandir, possuindo princípios e regras constitucionais próprios.

O percentual ordinário de ICMS consiste na alíquota praticada por cada um dos estados (e Distrito Federal) para o cálculo do tributo devido, que nada mais é do que um percentual sobre o valor da operação mercantil realizada em relação às operações em geral, sendo que cada estado é livre para fixar na sua legislação local as alíquotas aplicáveis aos produtos e serviços sujeitos à tal exação, observados os limites traçados pela CF/88 e pela Lei Kandir. Atualmente, a alíquota geral do ICMS cobrado pelos estados fica entre 17% e 20%.

Essas alíquotas, previstas mediante um percentual sobre o valor da operação mercantil, poderão variar em função da essencialidade dos produtos e serviços, em observância ao princípio constitucional da seletividade que rege o ICMS (artigo 155, §2º, inciso II da CF/88), de modo que a alíquota praticada poderá ser maior ou menor conforme o produto ou serviço for menos ou mais essencial à coletividade.

Apesar dessa autonomia dos estados para a fixação do percentual das alíquotas do ICMS, é importante observar que o legislador constitucional determinou ao Senado Federal o estabelecimento das alíquotas aplicáveis às operações e prestações interestaduais, além de alíquotas mínimas e máximas nas operações internas relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, que, salvo deliberação em contrário dos estados, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais.

Tal limitação constitucional busca garantir a uniformidade nos limites mínimos ou máximos das alíquotas do ICMS cobrado pelos estados e pelo Distrito Federal, evitando abusos e disparidade entre tais entes na tributação pelo ICMS.

Por que o STF decidiu que é inconstitucional a alíquota de ICMS cobrada sobre os serviços de fornecimento de energia e de telecomunicações, quando superior ao percentual ordinário cobrado pelos estados?
Bruna Luppi: O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE nº 714.139/SC, que é objeto do Tema 745 da repercussão geral, considerou que a energia elétrica e as telecomunicações estão entre os bens e serviços indispensáveis e, diante dessa essencialidade, não se afigura legítima a previsão de alíquota em patamar superior àquela aplicável às operações em geral.

No caso em julgamento, o contribuinte questionou a alíquota de 25% estabelecida pelo Estado de Santa Catarina para os serviços de fornecimento de energia elétrica e de telecomunicações, que é superior à alíquota geral de 17% aplicada na maioria das operações no referido estado.

No voto condutor do acórdão, afirmou-se que adotada a seletividade pela legislação estadual, a carga tributária para determinado bem ou serviço deverá ser estabelecida na razão inversa da sua imprescindibilidade. E considerando a relevância dos serviços de fornecimento de energia elétrica e de telecomunicações, revelam-se inconstitucionais os dispositivos legais que estipulem alíquotas majoradas de ICMS para tais operações, não devendo ser alcançadas pela aplicação da seletividade.

Com base nesse entendimento, firmou-se a seguinte tese de repercussão geral: “Adotada, pelo legislador estadual, a técnica da seletividade em relação ao imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS), discrepam do figurino constitucional alíquotas sobre as operações de energia elétrica e serviços de telecomunicação em patamar superior ao das operações em geral, considerada a essencialidade dos bens e serviços.”

Todos os contribuintes serão beneficiados pela decisão ou é necessário entrar na Justiça para contar com a redução das alíquotas? A partir de quando ela se aplica?
Bruna Luppi: A decisão do STF foi proferida em recurso extraordinário e, portanto, teria efeitos somente para as partes no processo. No entanto, como a Suprema Corte reconheceu a repercussão geral da controvérsia, que é objeto do Tema 745, o entendimento manifestado tem repercussão geral sobre os processos semelhantes em trâmite perante o Poder Judiciário, de modo que se espera a adoção do precedente para julgar ações da mesma natureza, isto é, que questionem alíquotas majoradas de ICMS para energia elétrica e telecomunicações instituídas pelos diversos estados.

Assim, os contribuintes que já possuem ação judicial em curso poderão ser beneficiados pela decisão do STF.

No entanto, é necessário o ingresso da ação judicial por aqueles contribuintes que podem ter impacto positivo e ainda não estão discutindo o tema no âmbito do Poder Judiciário, de modo que possam se beneficiar do entendimento adotado pelo STF, já que não haverá uma redução automática das alíquotas aplicadas sobre energia elétrica e telecomunicações. Essa situação torna necessário que cada contribuinte busque o reconhecimento do seu direito por meio de ação própria perante o Poder Judiciário.

O STF ainda definirá a partir de que momento a tese firmada no Tema 745 da repercussão geral será aplicada, pois ainda está sob julgamento a modulação dos efeitos da decisão para definir a partir de quando a alíquota do ICMS para as operações de energia elétrica e serviços de telecomunicação será realmente reduzida.

Quanto ao tema, retomado o julgamento em 26 de novembro 2021 para decidir tal questão, o ministro Dias Toffoli votou pela modulação dos efeitos da decisão para que passe a valer a partir de 2022, exceto em relação às ações já ajuizadas até a véspera da publicação da ata de julgamento do mérito (isto é, 28 de novembro de 2021). No entanto, o julgamento foi suspenso após pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, de modo que segue indefinida a questão, havendo pedido dos estados para que a decisão passe a valer apenas a partir de 2024.

Caso prevaleça o voto do ministro Dias Toffoli, para os contribuintes que já discutiam a tese por meio de ações judiciais próprias ajuizadas até 28 de novembro de 2021, em princípio estaria assegurado o direito à restituição daquilo que foi pago em até cinco anos antes do ajuizamento da ação. Por outro lado, para os contribuintes que ingressaram ou ainda ingressarão com a ação após tal data, uma modulação dos efeitos da decisão nos termos propostos pelo voto já proferido pode afastar a possibilidade de restituição daquilo que foi pago nos anos anteriores.

De qualquer modo, o tema da modulação em relação à tese fixada nesse caso específico ainda é uma incógnita, já que ultimamente o que temos visto é que o STF tem aplicado tal instituto com muita criatividade, trazendo conclusões inesperadas quanto à eficácia temporal das decisões por ele proferidas.

Qual é o impacto esperado da decisão sobre consumidores, estados e empresas?
Bruna Luppi: Para os consumidores, a redução das alíquotas aplicáveis sobre energia elétrica e telecomunicações tem reflexo direto nas respectivas contas de luz, telefone e internet, diminuindo seu valor, pois não apenas a alíquota ficará menor, mas também a própria base de cálculo do ICMS, que é composta pelo montante do próprio imposto.

Para os estados, a expectativa é que a decisão do STF traga uma expressiva diminuição das receitas. Isso também deve ocorrer com os municípios, já que parte de 25% da arrecadação do ICMS é repassada pelos respectivos estados aos seus municípios. Com isso, espera-se também que os estados pretendam, mais adiante, aumentar sua alíquota geral do ICMS, de modo a buscar minimizar as perdas com a redução das alíquotas aplicáveis sobre energia elétrica e telecomunicações.

Finalmente, para as empresas, o impacto da decisão do STF poderá variar conforme a natureza das atividades e ramo de atuação, podendo o real benefício, em muitos casos, ser mais tímido do que aquele inicialmente imaginado, o que deve ser analisado caso a caso.

Link: https://legislacaoemercados.capitalaberto.com.br/energia-e-telecomunicacoes-nao-podem-ter-icms-superior/

Petrarca Advogados