Impacto da Síndrome de Burnout nas relações de trabalho

1. Introdução

Na sociedade moderna, o trabalho é considerado não somente como um meio de suprir as necessidades básicas, mas é também uma forma de busca e consolidação de um propósito maior. É inevitável dizer que essa nova maneira de pensar traz distintas consequências. Por um lado, o indivíduo poderá satisfazer-se por meio do exercício laboral; lado outro, por conta de um mercado cada vez mais exigente, competitivo e estressante, a depender no caso de diversos fatores ambientais e pessoais esse contexto poderá trazer sofrimento.

Um levantamento da “International Stress Management Association (Isma)” mostra que o Brasil é o segundo país com mais casos de Burnout. O número de casos supera países como Estados Unidos e Alemanha. O Brasil está atrás apenas do Japão, que tem 70% da população atingida pela doença.

Reconhecida como doença ocupacional desde 1º de janeiro de 2022 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a Síndrome de Burnout acomete 30% de 100 milhões de trabalhadores de acordo com pesquisa da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt).

2. Sociologia do Trabalho

O “trabalho” sempre foi ferramenta de troca de força de trabalho (física ou intelectual) por uma recompensa. Na mitologia grega era visto como uma espécie de punição, como, por exemplo, o castigo a Prometeu Hesíodo por roubar o fogo dos deuses e dá-lo a humanidade, tendo como um martilho o trabalho e suas penas, sendo uma condição necessária de uma humanidade sofredora.

Já o filósofo grego Aristóteles (384 a.c a 322 a.c) traz a ideia de trabalho como uma forma de trifuncionalidade: a primeira dimensão o trabalho físico como Labor (sofrimento); a segunda dimensão da Poiésis como o trabalho artístico; e, por último, a terceira dimensão a Práxis como o trabalho intelectual, chegando à conclusão que existe  a espécie de justiça entre as três formas de trabalho, como o trabalho braçal (labor) e o trabalho criador (opus).

Com a idade média surgiu a ideia de “trabalho” através do desenvolvimento, ou seja, a conotação do trabalho de servidão, como função humana, com a ideia de que religiosa do homem que junto da sua companheira foi expulso do paraíso, trazendo que viverá do seu  próprio ”suor”.

Tempos posteriores, surgiu a figura do trabalhador assalariado que, apesar de terem a liberdade para exercer qualquer profissão, arte ou ofícios, existia em realidade a sua exploração e as péssimas condições de trabalho. A sociologia do trabalho cumpriu um papel fundamental para a contribuição do trabalho e suas noções atuais.

3. Relações de trabalho

Por definição conceitual, a relação de trabalho é o vínculo jurídico estabelecido no ambiente laboral, entre o empregador (pessoa jurídica) e empregado (pessoa física), regulada por um contrato de trabalho, o qual define os direitos e as obrigações de ambas partes nas suas diversas modalidades.

Vale ressaltar, porém, que a relação de trabalho se diferencia da relação de emprego. Essa se ampara com o art. 3º da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), ou seja, quando há a prestação de serviços de natureza não eventual  ao empregador, sob dependência deste e mediante recompensa (salário).

4. Síndrome de Burnout

Síndrome de Burnout – traduzindo do inglês, “burn” quer dizer queima e “out” exterior – é um conjunto de sintomas que geralmente ocorrem em pessoas sem nenhum histórico de doenças psicológicas ou psiquiátricas.

A síndrome de Burnout, conceituada pela OMS (Organização Mundial da Saúde), CID 11, é doença associada ao emprego ou desemprego, decorrente do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso. Caracteriza-se por três  dimensões: (i) sentimentos de esgotamentos ou exaustão de energia; (ii) aumento da distância mental do trabalho, ou sentimentos de negativíssimo ou cinismo em relação ao  trabalho; e (iii) uma sensação de ineficácia e falta de realização profissional. Burnout, portanto, não deve ser aplicado para descrever experiência em outras áreas.

Com efeito, a manifestação óbvia do burnout é aquela traduzida na exaustão emocional pela dimensão central a nível qualitativo. Isso porque quando os indivíduos relatam suas experiências se referem normalmente à exaustão e a um aumento emocional com esgotamento dos recursos pessoais. Na maioria das vezes é o Burnout causada por fatores pessoais e organizacionais que estão em conflito com o trabalho.

O segundo ponto está relacionado ao distanciamento entre o indivíduo e o serviço. Trata-se de um ato de ignorar a qualidade humana que caracteriza a relação com as pessoas. O indivíduo usa a distância  cognitiva para desenvolver uma atitude de indiferença e cinismo quando está exausto, com forte relação com este, em diferentes contextos ocupacionais.

A terceira dimensão é a ineficácia, ou sejam, são as exigências que contribuem para a exaustão e o cinismo. Surge um sentimento de  depressão no contexto ocupacional, que acentua a indiferença. Tratando-se de uma dimensão normalmente inversa das duas anteriores, em certos contextos a  ineficácia parece desenvolver-se em paralelo com as outras dimensões.

A par de todo o exposto, infere-se que o Burnout é fator resultante de um estresse crônico durante o lapso laboral no trabalho, que não foi administrado, como consequência de um estado mental de profunda extenuação, ou seja, esgotamento, que se desenvolve no ambiente de trabalho.

Desde de janeiro de 2022, a síndrome de Burnout foi incluída na Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde (OMS), definida como um esgotamento físico e mental no trabalho, estando ligada a fenômenos relativos ao contexto  profissional. São tidos como alguns dos seus sintomas: dores de cabeça, problemas de estômago, dificuldade para dormir e falta de ar.

5. Síndrome de Burnout: Ambiente de Trabalho

Ter a síndrome do esgotamento, classificada como doença do trabalho, significa dizer  que antes era considerada um problema do trabalhador. Ou seja, por questões pessoais não conseguia lidar com a demanda do trabalho, tirando qualquer responsabilidade do empregador em relação á situação.

A partir do momento em que o burnout passa a ser diagnosticado com uma doença ocupacional, há uma alteração na sua representação social. O trabalhador com essa síndrome torna-se improdutivo, irresponsável, indiferente nos vínculos laborais, levando a um perfil que em um primeiro  momento parece depressivo e de fracasso.

O trabalho doentio, adoece o trabalhador.

Tipicamente, o portador da patologia em questão demora a entender e aceitar que está em um círculo vicioso da doença, sendo que com a queda de rendimento cobra de si mesmo maior e melhor produção. Com isso a doença tem um grau de avanço, resultando num baixo rendimento no ambiente laborativa.

Aliás, a Portaria 1.339/99 do Ministério da Saúde instituiu a lista de doenças relacionadas ao Trabalho e, nela, incluiu a Síndrome de Burnout, como um transtorno mental e de comportamento relacionado ao trabalho, sendo que possui como agentes etiológicos ou fatores de risco o ritmo de trabalho penoso e outras dificuldades físicas e mentais relacionadas.

Ainda, o decreto 6.042/07 alterou o Regulamento da Previdência Social, inserindo  no Anexo II – Lista B, do art. 20 da lei 8.213/91, a presente síndrome, dentro do título sobre transtornos mentais e do comportamento relacionados com o trabalho (CID-10- Grupo V).

Por certo, as doenças ocupacionais têm total relação com o ambiente do trabalho, físico ou  mental, tendo como as principais causas de atribuição o adoecimento ocupacional, como, por exemplo, metas e/ cobranças agressivas.

6. Burnout e o Direito do Processo do Trabalho

Além do estresse diário, se restar comprovado por laudo médico que a síndrome é decorrente de um ambiente de trabalho agressivo, que afeta de forma traumática as condições psicológicas do trabalhador, este munido de toda a documentação e incluindo relatos testemunhais, a fim de demonstrar que as atividades comprometeram de forma hostil as suas condições psicológicas, poderá apresentar ao empregador a documentação para o devido afastamento das atividades laborativas, por período necessário.

Em caso de afastamento inferior a 15 dias, o empregado tem direito a receber o seu salário pago pelo empregador. Caso seja necessária a prorrogação do prazo, deve o empregador emitir o CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), tal como prevê a lei 8.213/91, direcionado ao INSS (Instituto Nacional do Segurado Social), sendo ainda garantida ao empregado, após a alta médica, a estabilidade provisória no emprego por 12  meses.

Confirmado o abuso do poder hierárquico por parte do empregador, o empregado poderá pleitear também indenizações por dano moral e até por dano patrimonial em razão das despesas com tratamentos médicos

7. Considerações finais

Indiscutível que o Burnout não é um fenômeno novo; ao revés, a novidade se traduz no desafio em se identificar e declarar o estresse e burnout dentro do contexto de uma relação empregatícia. Trabalhar não é só aplicar uma série de conhecimentos e habilidades para atingir a satisfação das próprias necessidades; trabalhar é fundamentalmente fazer-se a si  mesmo, transformando a realidade (Martín-Baró, 1998).

Torna-se relevante destacar que a prevenção e a erradicação do burnout não é tarefa solitária, mas deve contemplar uma ação conjunta entre todos os agentes no ambiente laborativo. As reflexões e ações geradas devem buscar alternativas para possíveis modificações, não apenas na esfera macrossocial e de suas relações interpessoais, como também na esfera social na qual o sujeito exerce sua atividade profissional e que determinam aspectos constituintes da cultura organizacional.

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QUITANILHA, DANIELA. Brasil é o segundo país com mais casos de burnout, diz levantamento: Disponível aqui. 2022.

BERTI, E. Aristóteles no século XX. São Paulo: Loyola, 1997.b.

Link: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalha-trabalhista/376138/impacto-da-sindrome-de-burnout-nas-relacoes-de-trabalho

 

 

Petrarca Advogados