“Afronta o princípio da separação dos poderes a anulação judicial de cláusula de contrato de concessão firmado por agência reguladora e prestadora de serviço de telefonia que, em observância aos marcos regulatórios estabelecidos pelo legislador, autoriza a incidência de reajuste de alguns itens tarifários em percentual superior ao do índice inflacionário fixado, quando este não é superado pela média ponderada de todos os itens.”
A tese foi fixada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 1.059.819, com repercussão geral, que discutia a possibilidade de anulação, pelo Judiciário, de cláusula de contrato de concessão de serviço público que autoriza o reajuste de tarifa telefônica em percentual superior ao do índice inflacionário estipulado.
O recurso foi interposto pela Telemar Norte Leste contra decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região que vedou o aumento, autorizado pela Anatel, de mais de 20% nas tarifas de telefonia. O Ministério Público Federal e o Procon ajuizaram, na Justiça Federal de Pernambuco, ação civil pública contra a Anatel para questionar a fórmula adotada pela agência para majorar os preços dos serviços.
Sustentaram que o contrato de concessão limita a média dos aumentos ao Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), da Fundação Getúlio Vargas, do período respectivo, que foi de 14,21%. Contudo, a Anatel autorizou aumentos de 19,89% na assinatura residencial, de 24,47% na não residencial e 24,46% na assinatura PABX, afirmaram os autores da ação.
Para o MPF e o Procon, a fórmula de reajuste acabou sendo prejudicial aos consumidores, pois camuflou aumento excessivo das tarifas correspondentes aos serviços mais usados. Para respeitar a média estabelecida no contrato, explicaram, a concessionária compensou incrementos acima do índice em serviços de maior demanda com menor reajuste nos serviços menos utilizados pelos usuários.
O juiz de primeira instância acolheu o pleito e declarou nulo o aumento, condenando a Anatel e a Telemar a recalcular os reajustes concedidos entre 2000 e 2005, reduzindo para a variação do IGP-DI os reajustes dos preços dos itens tarifários que superaram essa variação, considerados individualmente, e readequar os reajustes de preços a partir de janeiro de 2006. O TRF-5 manteve a sentença, alegando ofensa à razoabilidade e inexistência de justificativa a implicar margem de 9% além da inflação.
No recurso extraordinário, a Telemar defendeu a propriedade da metodologia de cálculo aplicada e afirmou que não caberia ao Judiciário fixar critérios contratuais, que são de competência da agência reguladora, e sustentou haver violação ao princípio constitucional da separação dos Poderes. Para a empresa, ao invalidar fórmula técnica de reajuste tarifário definida pela Anatel, o Judiciário invadiu esfera de atribuição reservada ao Poder Executivo e de competência da agência reguladora.
Ação improcedente
Relator do recurso, o ministro Marco Aurélio (agora aposentado) votou para acolher o recurso da Telemar e julgar improcedente a ação civil pública movida pelo MPF e pelo Procon de Pernambuco, mantendo válido o acréscimo de 9% no reajuste individual dos itens tarifários acima do IGP-DI, constante na cláusula 11.1 do contrato de concessão. Ele foi acompanhado por sete ministros.
“No caso, a atuação da Anatel não excedeu o que previsto pelo legislador. A intervenção do Judiciário no âmbito regulatório dá-se com vistas ao controle de legalidade, respeitadas as capacidades institucionais das entidades de regulação e a discricionariedade técnica dos atos editados”, afirmou o ministro.
Para Marco Aurélio, na hipótese dos autos, a majoração das tarifas telefônicas teve respaldo em ato expedido por uma agência reguladora, nos limites da atuação conferida pelo legislador e, portanto, não caberia intervenção do Poder Judiciário.
Divergência
O ministro Luiz Edson Fachin abriu a divergência. Para ele, “embora o Poder Judiciário deva adotar postura contingente em relação às matérias que envolvem questões técnicas complexas”, no presente caso, o tribunal de origem não substituiu a Anatel na definição das tarifas, mas apenas declarou a nulidade de critério adotado, determinando que fosse utilizado um índice de reajuste já previsto em cláusula contratual.
“Sendo assim, não se depreende, do acórdão recorrido, indevida interferência do Poder Judiciário em critérios estranhos à sua expertise, mas declaração de nulidade de reajuste realizado sem a observância dos parâmetros legais pertinentes”, afirmou Fachin.
Segundo o ministro, não há, no ordenamento jurídico, autorização para que a Anatel confirme reajustes de tarifas individuais em percentual superior ao índice inflacionário definido em contrato, ainda que preservada a média global. O entendimento foi seguido pelos ministros Rosa Weber e Dias Toffoli.
Tese fixada
“Afronta o princípio da separação dos poderes a anulação judicial de cláusula de contrato de concessão firmado por agência reguladora e prestadora de serviço de telefonia que, em observância aos marcos regulatórios estabelecidos pelo legislador, autoriza a incidência de reajuste de alguns itens tarifários em percentual superior ao do índice inflacionário fixado, quando este não é superado pela média ponderada de todos os itens”.
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RE 1.059.819
Link: https://www.conjur.com.br/2022-fev-21/judiciario-nao-anular-aumento-telefone-acima-inflacao