Desvalorização de ativos e juros baixos aceleram transações de fusões e aquisições
A crise causada pela pandemia do novo coronavírus reduziu num primeiro momento as transações de fusões e aquisições (M&A) no País. No entanto, passado esse impacto imediato, houve uma forte recuperação no número de operações, conforme mostra pesquisa realizada pela PwC. O levantamento indicou um aumento de 34% dessas transações entre janeiro e setembro de 2020, em relação à média dos nove primeiros meses dos últimos cinco anos. Se for considerado o mesmo período de 2019, o incremento foi de 12%.
A queda de faturamento das empresas — principalmente das pequenas — por causa do isolamento social ajudou a impulsionar essas operações. “Diante da crise, é natural que pequenos empresários busquem se unir a empresas de grande porte, nacionais ou internacionais, para dar continuidade às suas atividades”, observa Thomas Gibello Gatti Magalhães, sócio do Magalhães & Zettel Advogados.
E para 2021, o que esperar desse mercado? Daniel Rodrigues Alves, sócio do Candido Martins Advogados, considera que, apesar da instabilidade política e econômica no Brasil, a taxa de câmbio torna o cenário favorável para investidores estrangeiros com ímpeto e apetite para operações de M&A. Por isso, para o próximo ano, o advogado aposta na continuidade do crescimento dessas transações.
Opinião semelhante tem Claudio Miranda, sócio do Chalfin, Goldberg e Vainboim Advogados. “A expectativa é de que o recente e crescente avanço nas operações de M&A no País se traduza em uma tendência, e não apenas em um episódio pós-crise isolado, contribuindo, ainda mais, para a solidificação desse mercado no Brasil.”
A seguir, confira as opiniões de Magalhães, Alves e Miranda sobre o avanço desse mercado:
Pesquisa recente da consultoria PwC mostra um crescimento relevante na quantidade de operações de M&A no Brasil. Na sua avaliação, esse é um movimento consistente, considerando que o resultado foi registrado num período de crise aguda?
O aumento das operações de M&A advém de uma conjuntura causada em parte pela pandemia, que acabou deixando alguns negócios em uma situação financeira delicada, e da taxa de juros básica brasileira em 2%, no mais baixo patamar histórico. Esses fatores colaboram para a criação de um ambiente fértil para financiamentos e investimentos, o que eleva o número de fusões e aquisições.
A própria PWC mostrou em estudos que o coronavírus teve um impacto negativo nas operações de M&A a partir de março, com uma queda grande no número de operações. Entretanto, muitas operações seguiram seu curso durante a pandemia e algumas que foram suspensas voltaram logo após o retorno a uma certa normalidade. Essa tendência começou em junho, que coincidiu com o aquecimento do mercado de capitais.
Presenciamos um aumento considerável em operações nas áreas de tecnologia, saúde, energia e em alguns outros setores de varejo que tiveram uma demanda grande por conta da pandemia.
A alta do dólar e os juros baixos têm criado boas oportunidades para investir em ativos no Brasil. O País já vinha apresentando um movimento grande em operações de M&A antes da pandemia e entendo que essa tendência será mantida com o crescimento em consolidações e investimento estrangeiro, desde que algumas questões internas sejam resolvidas, principalmente as reformas.
É muito interessante verificar o resultado da pesquisa recente da PwC apontando um importante crescimento na quantidade de operações de M&A no Brasil. Como tivemos a oportunidade de registrar no início da pandemia/quarentena de covid-19, a tendência, após períodos de crise econômico-financeira, é a de que os agentes econômicos retornem ao mercado e, sobretudo aqueles que conseguiram reter maiores disponibilidades de caixa, possam encontrar boas oportunidades para aquisição de ativos ou de empresas.
Um momento delicado para as empresas, como a pandemia de covid-19, impulsiona o mercado de M&A no Brasil ou prejudica as operações? Por quê?
Inicialmente a pandemia de covid-19 prejudicou as operações de M&A no solo nacional, visto que as projeções realizadas para o ano de 2020 eram superiores ao alcançado até o corrente mês.
A crise instalada gerou um “furo” de capital em diversos pequenos negócios com grande potencial econômico, o que pode ser uma alavanca para novas operações de M&A. A flexibilização da quarentena e a retomada do mercado brasileiro pode fazer com que esses pequenos empresários busquem se unir a empresas de grande porte (nacionais ou internacionais) para dar continuidade às suas atividades.
Os resultados apresentados pela pesquisa da PwC Brasil relativos a julho de 2020 sinalizam essa tendência de recuperação do mercado de fusões e aquisições, gerando grandes expectativas para o fim do último trimestre de 2020 e para o ano de 2021, em muito advindas da baixa taxa de juros e do câmbio favorável ao investimento interno.
Para muitos players, a pandemia de covid-19 acabou impulsionando o ímpeto por novas aquisições. É uma realidade cruel, mas as dificuldades de muitas empresas no contexto da pandemia acabaram por diminuir seus valores de mercado e essas, consequentemente, passaram a ter valores atrativos para investidores, especialmente aqueles em movimentos de consolidação de mercado. Assim, para alguns houve um aumento das oportunidades. Soma-se, também, a situação atual do dólar, o que torna o cenário ainda mais favorável para alguns investidores estrangeiros com ímpeto e apetite, ainda que em um cenário político e econômico no Brasil não muito atrativo.
Sob a ótica do empresário, este tende a considerar que sua empresa está subavaliada e foi fortemente impactada pelo covid-19 e, neste caso, o investidor não está disposto a pagar pelo futuro.
Vivenciamos um caso em que a empresa melhorou muito o desempenho com a ajuda da pandemia, mas tem dificuldade em demonstrar que o resultado será mantido no próximo ano. O investidor não está disposto a pagar por esse aumento, mas a empresa precisa do investimento. Isso pode prejudicar o alinhamento das operações. Nesse caso, a criatividade de formas de adquirir e pagar entra em jogo e torna-se essencial.
O momento delicado que está sendo superado deve intensificar as disparidades do mercado, de forma que as empresas em piores condições financeiras se tornem alvos prováveis para aquelas em melhores circunstâncias, favorecendo o desenvolvimento de operações dessa natureza.
Na sua opinião, a tendência é de continuidade da expansão das operações no País?
Sim, uma vez que a flexibilização da quarentena e a retomada do mercado podem levar os pequenos empresários a buscarem as transações de M&A como alternativa para dar continuidade às suas atividades. Em um mercado consumidor muito pujante como o brasileiro, onde sempre novas oportunidades de negócios surgem, e com o patamar da Selic em níveis historicamente baixos, não há dúvidas de que a tendência é de grande expansão das operações de M&A.
Mesmo com as incertezas relacionadas ao fim da pandemia e, especialmente, à aprovação de reformas importantes no Brasil, como a reforma tributária, há uma tendência de continuidade do crescimento no número de operações de M&A no País. Há um forte movimento de consolidação em algumas áreas, como saúde e energia, impulsionado pela diminuição do valor de ativos. Investidores estrangeiros também têm retomado a confiança para trazer seu capital para o País e realizar aquisições. A janela para diversos IPOs se fechou, e isso irá impulsionar ainda mais as empresas a buscarem outras formas de crescimento. Os investidores de empresas que passariam a ser listadas, por sua vez, provavelmente terão que buscar formas alternativas de investimentos ou desinvestimentos, especialmente via operações de M&A. Por fim, essas transações são essenciais para estimular o crescimento de áreas que enfrentam dificuldades no País, como agronegócio, energia, saúde, serviços e infraestrutura. O papel dos fundos de private equity, na nossa visão, também é essencial para essa expansão.
O mercado brasileiro está preparado para a continuidade desse movimento de alta em 2021?
Sim, o mercado está preparado e isso fica claro ao notarmos que, em meio a restrições de convívio, decretação de lockdown e a pandemia em seu auge, as transações que ocorreram em julho, de acordo com relatório da consultoria PwC Brasil, foram as maiores em quase duas décadas, isto é, foram registradas no País 88 operações, volume 77% superior ao do mesmo mês de 2019, quando houve 68 transações. Em virtude disso, podemos acreditar que teremos continuidade desse crescimento em 2021.
O mercado está preparado para essa continuidade, mas as incertezas com relação à aprovação de reformas importantes para o País, como a tributária e a administrativa, e a instabilidade política podem acabar colocando um freio em um movimento de enorme potencial como o de operações de M&A. Além disso, temos vivido momentos de insegurança também no judiciário, especialmente no STF, e isso colabora para as incertezas e para a desconfiança por parte de investidores. Acredito que o fôlego e o apetite persistirão, mas um cenário político, econômico e jurídico mais estável seria mais do que bem vindo para impulsionar ainda mais o mercado e a economia do País, gerando benefícios para todos.
À intensificação das disparidades de mercado soma-se a circunstância econômica e regulatória favorável, em que a CVM tem dado bons sinais, no sentido de favorecer a eficiente regulação dos investimentos e das captações, em um período em que os juros baixos desincentivam investimentos em renda (seja para investidores pessoas física, incrementando o mercado de capitais, ou para investidores institucionais, que ampliam seus apetites para operações de mercado).
Nesse contexto, a expectativa é de que o recente e crescente avanço de operações de M&A no País se traduza em uma tendência, e não apenas em um episódio pós-crise isolado, contribuindo, ainda mais, para a solidificação desse mercado no Brasil. Sendo assim, quem estiver bem assessorado e organizado, financeira, operacional e juridicamente sairá na dianteira da competição, para fins de identificar, negociar e viabilizar bons negócios.
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