Um Órgão de Supervisão Regulatória (OSR) pode ser entendido como uma instituição dedicada a promover a gestão da qualidade regulatória em toda a administração pública. Sua missão é introduzir mudanças na cultura regulatória e administrativa e ser o responsável pela disseminação, implementação e monitoramento do uso de ferramentas de melhoria regulatória[1] dentro de um governo.
Refletir sobre a criação de um OSR, para além de fomentar a importância de uma governança central institucionalizada, sinaliza que se trata de tema de Estado, e não de governo.
Quer saber os principais fatos ligados ao serviço público? Clique aqui e se inscreva gratuitamente para receber a newsletter Por Dentro da Máquina
No Brasil, não existe nenhum órgão da administração pública federal que exerça, de forma plena, o papel de um OSR. O que existe são órgãos que exercem uma coordenação compartilhada. De tempos em tempos, um desses órgãos tem maior protagonismo, como o exercido, em 2007, pela Casa Civil da Presidência da República com o Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (PRO-REG).
Atualmente, temos o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) exercendo a liderança nas ações que envolvem a agenda de melhoria regulatória no país. Inclusive, cabe ao MDIC presidir o atual PRO-REG restabelecido pelo Decreto 11.738, de 2023, o qual conta com a participação de representantes da Advocacia-Geral da União, da Casa Civil, da Controladoria-Geral da União e dos Ministérios da Fazenda, da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos e do Planejamento e Orçamento.
Este artigo resume um estudo recente no qual pude refletir sobre a criação de um OSR no Brasil à luz da literatura sobre o tema, das experiências internacionais e de um estudo empírico com atores nacionais importantes.
O trabalho partiu do cenário no qual o país avançou de forma considerável nos últimos anos, com a publicação de normativos que delinearam a política regulatória interna, mediante a obrigatoriedade de aplicação de ferramentas de melhoria regulatória que muito contribuem para aumentar o nível da qualidade regulatória nacional.
Em função de tais normativos, foi possível implementar práticas de qualidade regulatória não somente nas agências reguladoras, como em toda a esfera do Poder Executivo federal. Esse passo foi essencial para a difusão de boas práticas e de maior alinhamento entre as ações do governo.
No entanto, a agenda de melhoria regulatória ainda não avançou o suficiente para elevar a posição do Brasil nos principais indicadores internacionais da área, como o indicador de Regulação do Mercado de Produtos, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e o indicador de Governança Regulatória, do Banco Mundial. O atual patamar desfavorece o ambiente de negócios e não contribui para o desenvolvimento social e o crescimento econômico.
Desse modo, há espaço para pensar em propostas que possam modificar o status quo. Poderia um OSR avançar a qualidade regulatória do país? Foi esse o debate sugerido no estudo, que partiu da literatura nacional e internacional e avançou sobre o possível formato que este(s) órgão(s) deveria(m) ter. Seria mais adequada uma vinculação diretamente à Presidência da República ou à outro órgão do Executivo? Além dessas, foram levantadas questões quanto à atribuição de poder de veto, ou não, nas ações junto aos entes reguladores.
Antes mesmo de publicar sua recomendação sobre política regulatória de 2012, a OCDE já havia manifestado a importância de um OSR para o Brasil, no Relatório sobre a Reforma Regulatória de 2008. No mais recente relatório, publicado em 2022, mais uma vez foi reforçada a importância de se ter um OSR. Relevante mencionar que a OCDE também levanta possíveis arranjos institucionais alternativos para a tarefa de supervisão no Brasil, afirmando que, em caso de haver mais de um órgão de supervisão, mecanismos de coordenação adequados entre eles devem ser criados.
No cenário internacional, a experiência dos Estados Unidos, Reino Unido e México é de criação de estruturas internas próprias, que consideram suas especificidades, cultura e sistemas político e de governo. Cada um possui instâncias de revisão do processo regulatório com instituições sólidas, com poder político e quadros de pessoal qualificados.
Não obstante, há arranjos institucionais diferentes quando comparamos o Reino Unido com os demais, uma vez que aquele país optou por uma estrutura mais descentralizada, com a presença não somente de um órgão de supervisão, mas de um conjunto de órgãos atuando de forma coordenada.
Além da análise da literatura e experiência internacional, a pesquisa também buscou avaliar em que medida alguns dos principais atores no cenário nacional são favoráveis à criação de um OSR no Brasil. Os dados foram coletados por meio de entrevistas junto aos órgãos centrais, aos reguladores da administração direta do Poder Executivo federal, aos reguladores independentes, à especialistas na área de regulação e ao setor privado.
Um dos principais resultados da pesquisa foi a necessidade do envolvimento do alto escalão com a temática. Ou seja, é importante o apoio político intra órgão e o apoio político do mais alto escalão do governo. Também foram constatadas muitas preocupações, como a necessidade de manutenção da autonomia das instituições independentes, o papel dos órgãos de controle externo, o receio de maior burocratização no processo regulatório, a necessidade do perfil técnico e autônomo de um possível órgão supervisor e, principalmente, o exato papel ou função desse órgão junto aos reguladores.
A pesquisa empírica demonstrou que o tema levanta resistência em alguns setores do governo, em especial entre as agências reguladoras federais. No entanto, observou-se uma certa flexibilidade a depender das funções do OSR, com preferência pelas funções de orientação, coordenação e recomendação, em detrimento de funções de orientação, coordenação e determinação.
O trabalho teve como objetivo fomentar a discussão no Brasil sobre a criação de um OSR, reconhecendo a existência de vários desafios, como a necessidade de credibilidade que este tipo de instituição requer perante os reguladores e do seu indispensável poder político para que seja viável – ou seja, para que haja adesão por parte dos reguladores ao processo de melhoria da qualidade regulatória.
Existem outros desafios de ordem estrutural, como o imprescindível quadro de pessoal qualificado e diversificado, e a posição específica do OSR na administração (ligado ou não ao centro de governo). Todas essas questões precisam ser bem avaliadas para que se possa estruturar um órgão de supervisão, caso seja esta a opção, com nível adequado de autonomia capaz de lhe assegurar a ausência de interferência política em suas funções. Espera-se que mais estudos sejam feitos para que o debate avance de forma qualitativa e quantitativa.
LINK:https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/mulheres-na-regulacao/orgao-de-supervisao-regulatoria-no-brasil-e-possivel