Estado de Mato Grosso pode ser responsabilizado subsidiariamente pelo pagamento das verbas trabalhistas não quitadas pelas entidades privadas
19/11/2021 – O Tribunal Pleno do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (MT) fixou tese jurídica de que “aos contratos de gestão celebrados pela administração pública, com ente da sociedade civil para gerenciamento de hospitais públicos, aplica-se, por interpretação analógica, a súmula nº 331 do TST”.
A decisão foi tomada por unanimidade no julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), na sessão do Pleno realizada em outubro.
Suscitado por um trabalhador que pretendia ver pacificada controvérsia existente entre as turmas do TRT-23, o incidente foi admitido em agosto de 2020. Na ocasião, o Pleno reconheceu a repetitividade de casos, número superior a 80 processos à época, bem assim a existência de posicionamentos antagônicos entre as duas turmas do Tribunal, essencialmente, no que se refere à aplicação da súmula 331 do TST aos contratos de gestão.
Conforme destacado pela relatora do IRDR, desembargadora Eliney Veloso, na Segunda Turma o entendimento era de que cabia a responsabilidade subsidiária ao ente público, com base nas premissas jurídicas da súmula 331, atribuindo culpa in vigilando sempre que não fosse comprovada a fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas, a cargo da organização social. Seguindo a linha de entendimento do TST, a Segunda Turma equiparava o contrato de gestão aos contratos de terceirização de serviços.
A corrente oposta, adotada na Primeira Turma, concluía que o regime jurídico peculiar dos contratos de gestão não permitia a incidência da súmula 331, inexistindo obrigação para fiscalização de direitos trabalhistas. O entendimento era o de que, ao ente estatal, competiria somente avaliar a qualidade e a quantidade dos serviços públicos prestados, bem como verificar a aplicação dos recursos públicos repassados à entidade privada. Para a Primeira Turma, pouco importava a (in) existência de provas sobre a fiscalização das verbas trabalhistas, por não se cogitar, à época, pela aplicação da súmula do TST.
No entanto, ao julgar o IRDR, o Pleno reconheceu que os contratos de gestão não se confundem com os contratos de terceirização de mão de obra, sendo, porém, possível compatibilizar os diferentes modelos contratuais à sistemática de responsabilização civil.
Nessa linha, os desembargadores convergiram ao entendimento de que, embora de forma menos intensa em comparação ao observado nos contratos de terceirização de mão de obra, também há, nos contratos de gestão, dever legal para que a Administração Pública acompanhe o cumprimento o cumprimento das obrigações trabalhistas a cargo da entidade contratada, com vistas a prevenir/corrigir distorções que possam causar prejuízo aos empregados envolvidos, “pois o controle dos serviços públicos transferidos passa também pela avaliação da conformidade geral sob a perspectiva da legislação trabalhista, porquanto não se mostra coerente com os princípios da moralidade e da legalidade que o patrimônio público seja repassado a uma entidade privada que não cumpre as normas aplicáveis.”
Cinco conclusões
Para pacificação da controvérsia, a relatora do incidente condensou suas análises em cinco pontos principais, para posterior fixação da tese que resolveu o IRDR:
I – O contrato de gestão previsto na Lei Federal nº 9.637/1998 e Lei nº 9.790/99 e, regulamentado no âmbito do Estado de Mato Grosso pela Lei Complementar estadual nº 150/2004, não se equipara ao contrato administrativo de terceirização de serviços albergado pela Lei nº 8.666 /93, pois inserido em um microssistema de desestatização e de fomento à iniciativa privada não lucrativa, em que a entidade particular desempenha serviços sociais não exclusivos do Estado mediante a transferência de recursos públicos, com direitos, deveres, garantias e penalidades próprios, definidos em legislação específica;
II – Há compatibilidade entre o regime do contrato de gestão e dos contratos administrativos em geral, no que se refere à possibilidade de responsabilização subsidiária do ente público, pelas obrigações trabalhistas inerentes aos contratos dos empregados vinculados à execução das atividades transferidas à organização social;
III – O Estado de Mato Grosso tem obrigação de fiscalizar a execução dos contratos de gestão, de modo a evitar/sanear o inadimplemento das obrigações trabalhistas, não podendo exercer suas prerrogativas contratuais (intervenção, ocupação temporária etc), com excesso de poder ou desvio de finalidade, lesando o hipossuficiente vinculado a essa relação jurídica especial;
IV – É possível a aplicação analógica da súmula nº 331 do TST (“ubi aos contratos de gestão, de modo que a Administração Pública eadem ratio, ibi idem jus”) pode vir a ser responsabilizada pelos débitos trabalhistas quando, no caso concreto, ficar evidenciado nexo causal entre ato omissivo de natureza culposa do ente público ou de seu agente administrativo, relativo à falta de fiscalização do contrato (culpa in vigilando), nos moldes previstos pela Lei Complementar Estadual nº 150/2004, quando demonstrado que os trabalhadores vinculados a essa relação jurídica especial foram lesados em seus direitos fundamentais;
V – É viável a responsabilização subsidiária do Poder Público mesmo durante o período de intervenção estatal, quando evidenciada a culpa in vigilando do agente público na fiscalização dos haveres trabalhistas dos empregados que se ativam na execução dos objetivos do contrato de gestão.
Assim, o Tribunal Pleno fixou a Tese 01 – “Aos contratos de gestão celebrados pela administração pública, com ente da sociedade civil para gerenciamento de hospitais públicos, aplica-se, por interpretação analógica, a súmula nº 331 do TST”, que tem força obrigatória conforme estabelece o artigo 927, III, do CPC.
Fonte: TRT da 23ª Região (MT)
Link: https://www.csjt.jus.br/web/csjt/noticias3/-/asset_publisher/RPt2/content/id/9714570