Ao dar provimento a recurso especial interposto pelo Ministério Público, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou um processo em que não houve intimação do órgão para atuar na primeira instância, apesar de uma das partes ser uma mulher com enfermidade psíquica grave (esquizofrenia).
Para o colegiado, apesar de, em regra, a atuação do MP em segunda instância suprir a nulidade decorrente de sua ausência em primeiro grau, houve prejuízo à mulher enferma no caso analisado.
A mulher pleiteou que seu ex-marido ou seus filhos fossem obrigados a residir com ela ou a custear sua moradia em local especializado, em razão de sua doença. O juiz negou os pedidos, fundamentando que não há responsabilidade do ex-marido, já que as partes se divorciaram há mais de duas décadas, e que os filhos não têm condições financeiras para auxiliá-la.
O MP, em segundo grau, alegou nulidade por ausência de intimação do órgão no juízo de origem, em processo que envolve interesse de incapaz, como estabelecido no artigo 178, inciso II, do Código de Processo Civil (CPC). Porém, a corte local confirmou a sentença, considerando que, embora seja comprovado que a mulher tem esquizofrenia, ela não foi interditada, o que a impediria de ser tratada como incapaz.
A proteção do código abrange o declarado incapaz e o incapaz de fato
No STJ, o MP argumentou que a nulidade seria absoluta, sendo irrelevante não ter havido a prévia declaração judicial de incapacidade da mulher, já que, ao tempo em que ajuizou a ação, sua doença mental já era conhecida, motivo pelo qual o órgão ministerial poderia ter proposto a ação de interdição se estivesse atuando no caso.
A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial, apontou, com base na doutrina, que a necessidade de intervenção do MP em processo envolvendo interesse de incapaz, estabelecida no CPC, abrange tanto o judicialmente declarado incapaz como o incapaz de fato.
Por essa razão, na avaliação da magistrada, “não se sustenta o fundamento adotado pelo acórdão recorrido” – que, apesar de reconhecer que a autora comprovadamente possui uma enfermidade psíquica grave, compreendeu ser desnecessária a intervenção do MP, violando a regra do artigo 178, inciso II, do CPC.
Conflito de interesses entre mãe e filhos
Em relação à possibilidade de interdição, a ministra lembrou que, para a jurisprudência da corte, apenas os legitimados do rol previsto nos artigos 747 e 748 do CPC podem ajuizar o pedido, de forma que, no caso julgado, só os filhos da mulher – réus na ação de obrigação de fazer por ela proposta – ou o MP, como legitimado residual (artigo 748, inciso I, do CPC), poderiam propor a ação.
Para a ministra, “não é razoável imaginar” que os filhos pediriam a declaração de incapacidade da mãe enferma, cientes de que o eventual decreto de interdição poderia resultar em atribuição da curatela a algum deles. “O potencial conflito de interesses, pois, é bastante evidente”, disse.
Assim, apontou Nancy Andrighi, o único legitimado “indiscutivelmente isento e potencialmente interessado” em avaliar a necessidade de pleitear a interdição é o MP, que, em primeiro grau, não teve a oportunidade de adotar outras medidas para proteger os interesses da mulher, como requerer diligências para o esclarecimento da situação econômica dos filhos e da suposta impossibilidade de prestar auxílio à mãe.
Ao declarar a nulidade do processo, a relatora concluiu que a atuação do MP na segunda instância não supriu o vício existente em primeiro grau, já que a intervenção do órgão, desde o início, era necessária para preservar os interesses de pessoa incapaz – inclusive, se necessário, propondo a “ação de interdição, apta a, em tese, influenciar decisivamente o desfecho desta ação”.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.