A busca da menina pelo pai começou aos 15 e terminou aos 32 anos, quando finalmente a mulher teve reconhecida a paternidade, e garantido os seus direitos de alimentos.
Um caso digno das melhores novelas mexicanas foi julgado pela 3ª turma do STJ nesta semana. Uma (agora) mulher, tentou encontrar seu pai por 17 anos (!). O apontado pai, que é um promotor aposentado, tentou de todas as formas anular e atrasar o feito. Teve de tudo: sumiço, extravio do processo e até registro fraudulento.
A busca começou aos 15 e terminou aos 32 anos, quando finalmente a mulher teve reconhecida a paternidade, e garantido os seus direitos de alimentos.
Entenda o caso
Uma menina tentou buscar sua ancestralidade por 17 anos, desde que tinha 15. O apontado como pai se negou a todos os moldes a fazer o exame de paternidade.
Durante os longos anos, um enredo de novela aconteceu: o pai não era encontrado para citação, depois não o encontraram para intimá-lo a realizar o exame de paternidade, e teve até a suspensão do processo.
Isto porque, em determinado momento, surgiu um registro de suposto “outro pai” em nome dela. Com isso, o processo teve de ser suspenso até o final da ação anulatória do registro civil.
Mas não parou por aí. Os autos da ação investigatória de paternidade e da anulatória de registro civil que tramitavam em conjunto foram extraviados e interrompido o processo.
Mais alguns anos se passaram e o apontado pai não compareceu a diversas vezes para realizar o exame de DNA.
O relatório que explica resumidamente os tramites do processo ocupam cerca de cinco laudas.
Paternidade reconhecida
Dando início ao fim, juíza de Taguatinga/DF, após 17 anos de tramitação do processo, e quando a menina já era uma mulher de 32 anos, finalmente proferiu sentença para reconhecer a paternidade, com determinação para alteração do registro civil e fixação de alimentos em 15% dos rendimentos brutos do homem.
A magistrada considerou a postura insólita e anticooperativa do homem e aplicou a Súmula 301 do STJ, que dispõe que em ação de investigação de paternidade, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.
Apelação interposta pelo pai não foi provida pelo TJ/DF. Dois embargos de declaração também foram rejeitados. Ainda inconformado, o pai interpôs recurso especial ao STJ com 16 alegações para o provimento do recurso.
Novela da vida real
Em seu voto, o ministro Moura Ribeiro inicia resumindo o caso como uma novela:
“Com todo o respeito, estivesse viva a famosa noveleira JANETE CLAIR e tivesse ela tido contato com a extraordinária sucessão dos fatos, certamente dele teríamos tido uma bela história de intriga, fuxico, drama que renderia viva audiência.”
O ministro considerou que não seria justo e nem sequer razoável atribuir à filha a responsabilidade por “evidente falsidade ocorrida no seu registro de nascimento, a partir de declarações realizadas por uma pessoa que se apresentou como seu pai, a qual ela nunca viu, ninguém sabe quem é e nunca foi localizada”.
“No caso presente, como é fácil de ver, as circunstâncias evidenciam que não há mais nenhuma justificativa plausível capaz de determinar a continuidade da suspensão pretendia, pois pelas idas e vindas o presente feito já demorou mais do que a paciência humana pode suportar, extrapolando em muito a regra constitucional que manda a observância de prazo razoável para a conclusão dos processos.”
Quanto à alegação de que os alimentos pedidos na ação investigatória de paternidade estão prescritos, pois quando os pleiteou era menor de idade (15 anos) e quando foi proferida a sentença estava com 32 anos, o ministro destacou entendimento das instâncias ordinárias de que o homem teria se utilizado de inúmeros expedientes protelatórios para atrasar o curso do feito.
“Pelo que foi exposto, o especial não merece mesmo prosperar, porque o investigado não teve o menor interesse de se submeter ao exame de DNA, considerando a sua postura ao longo do feito, comportando a hipótese de se declarar por presunção a paternidade, nos termos da Súmula nº 301 do STJ, que é inafastável no caso.”
O ministro ressaltou, ainda, que a jurisprudência do STJ “não tolera a prática de condutas abusivas e maliciosas seja nas relações familiares ou contratuais, nas quais a parte busca se beneficiar com a própria torpeza”.
“Efetivamente, conclusão em sentido contrário beneficiaria o próprio devedor de alimentos que, diante da leitura das mais de 2 mil e 500 páginas do feito, criou enormes óbices para que o processo de reconhecimento da paternidade tramitasse regularmente. É de pasmar o mais santo dos homens: [o pai] chegou inclusive a esgotar todos os meios processuais possíveis e imagináveis para impedir o trânsito em julgado da ação de restauração dos autos que foram estranhamente extraviados.”
Litigância de má-fé
Por fim, o ministro ainda manteve a multa aplicada ao pai por litigância de má-fé.
“Se o comportamento de manejar 9 recursos, todos sem êxito, visando impedir o trânsito em julgado de uma sentença que homologou a restauração dos autos extraviados, processo de simples procedimento, não configurar hipótese de abuso do direito de recorrer e também de tentativa indisfarçada de protelar o curso do processo, seria o quê?”
Diante disso, negou provimento ao recurso especial. A decisão foi unânime.
Processo: REsp 1.817.729
Veja o acórdão.