Em uma decisão com implicações positivas para o jornalismo, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu a favor de uma jornalista amadora que moveu uma ação civil contra a polícia de Laredo, no Texas, por prisão ilícita — mais especificamente, no caso, prisão retaliatória, já que ela publicou notícias de que as autoridades não gostaram.
O caso confronta o direito constitucional à liberdade de imprensa, bem como à de expressão, contra a doutrina jurídica da “imunidade qualificada” das autoridades públicas, incluindo policiais.
A “imunidade qualificada” tem o objetivo de proteger policiais (e outras autoridades governamentais) contra responsabilização pessoal por violações de direitos constitucionais dos cidadãos — ou de leis que não estão “claramente estabelecidas”.
Na prática, isso significa que uma ação indenizatória só terá sucesso se comprovado que há pelo menos um caso anterior, com fatos quase idênticos conhecidos, indicando que os policiais deveriam saber que suas ações estão violando a lei.
Pesquisas mostraram que quase dois terços da população (63%) gostariam de acabar com essa doutrina. Seus opositores a definem como uma licença para a polícia se comportar mal. E cerca de um terço é a favor. Seus defensores argumentam que trata-se de um escudo contra processos que paralisariam a polícia.
A decisão da Suprema Corte foi curta e grossa: “A petição para writ of certiorari é deferida. O julgamento é anulado e o caso é remetido para o Tribunal Federal de Recursos da 5ª Região para maior consideração, tendo em vista Gonzalez v. Trevino”.
Na decisão de Gonzalez v. Trevino, o tribunal facilitou para as vítimas de prisão retaliatória moverem ações indenizatórias contra policiais e outras autoridades públicas que sustentam suas defesas na doutrina da “imunidade qualificada”.
Prisões retaliatórias
Em resumo, Sylvia Gonzalez foi presa — e passou uma noite na cadeia — pelas críticas que fez ao prefeito Edward Trevino, de Castle Hill, Texas, e por apresentar uma petição para removê-lo do cargo em uma reunião do conselho da cidade. Nesse caso, a Suprema Corte também anulou a decisão do Tribunal Federal de Recursos da 5ª Região, favorável às autoridades públicas.
De fato, o caso analisado agora pela Suprema Corte é semelhante. A jornalista-cidadã (citizen journalist) Priscilla Villareal foi vítima de uma prisão retaliatória. “La Gordiloca”, como ela é conhecida na região de Laredo, no sul do Texas, publicou no Facebook duas notícias que irritaram o governo local, incluindo o Departamento de Polícia da cidade.
Em uma delas, Priscilla revelou o nome de um patrulheiro de fronteira que morreu por suicídio. Na outra, divulgou detalhes de um acidente fatal de carro envolvendo uma família de Houston, Texas. Ambas foram confirmadas por policiais de Laredo.
O que mais irritou as autoridades da cidade foi o fato de ela ter divulgado detalhes desses casos antes que a própria polícia o fizesse. Em jargão jornalístico, ela “furou” as declarações oficiais. “La Gordiloca” foi presa — e passou uma noite na cadeia.
Para justificar a prisão, as autoridades disseram que ela violou uma lei estadual que criminaliza o ato de solicitar ou receber informação oficial do governo, que ainda não se tornou pública, com o intento de obter um benefício pessoal — no caso, conseguir mais usuários para sua página no Facebook.
“La Gordiloca” (sendo “gordi” uma abreviação de gordita — gordinha, em espanhol) tem mais de 200 mil seguidores só em Laredo, cidade com 260 mil habitantes. Ela publica notícias locais por vídeo e textos em inglês, espanhol e em espanglish (uma mistura de espanhol com inglês). De preferência, ela cobre crimes, casos de corrupção e acidentes — tudo misturado com fofocas, fotos e posts pessoais, de acordo com o jornal Los Angeles Times.
Jornada pelas cortes
As autoridades locais moveram uma ação criminal contra a jornalista-cidadã, que foi trancada por um juiz estadual. O julgador argumentou que a tal lei, nunca aplicada anteriormente, era inconstitucionalmente vaga.
Diante disso, “La Gordiloca” moveu uma ação indenizatória, na Justiça Federal, contra policiais e promotores envolvidos em sua prisão ilícita. Os réus tentaram se proteger sob o manto da doutrina da imunidade qualificada. E um juiz federal de primeira instância concordou com esse argumento.
Porém, um colegiado de três juízes do Tribunal Federal de Recursos da 5ª Região anulou a decisão de primeira instância. O colegiado entendeu que o processo contra a jornalista-cidadã equivale à criminalização do jornalismo. O juiz James Ho, nomeado pelo ex-presidente Donald Trump, escreveu:
“Se a Primeira Emenda significa alguma coisa, ela significa que uma jornalista-cidadã tem o direito de fazer perguntas a uma autoridade pública em questão, sem o medo de ser encarcerada. E isso foi exatamente o que aconteceu aqui: Priscilla Villareal foi presa por fazer perguntas a uma autoridade em questão. Se isso não é uma violação óbvia da Constituição, é difícil imaginar o que seria.”
No entanto, como em um caso novelesco, o tribunal pleno da corte mudou a decisão do colegiado, por 9 votos a 7. O voto da maioria restaurou o entendimento de que policiais e promotores têm imunidade qualificada.
A maioria concluiu que a jornalista-cidadã violou a lei estadual quando fez perguntas a uma fonte não oficial do governo, em vez de esperar por relatórios oficiais da polícia. E rejeitou a conclusão do colegiado de que sua prisão violou a Primeira Emenda — decisão que foi anulada pela Suprema Corte.