A alteração na redação da Orientação Jurisprudencial 394 da SDBI-1 do TST e os impactos nos cálculos das verbas trabalhistas – Dannúbia Nascimento

Como a mudança na redação da OJ 394 da SDBI-1 do TST afetará a integração do descanso semanal remunerado sobre as horas extras.

O Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho no julgamento do processo precedente IncJulgRREmbRep – 10169-57.2013.5.05.0024, decidiu pela alteração da relação da Orientação Jurisprudencial nº 394 da Seção de Dissídios Individuais 1 – SDBI-1, que dispunha da seguinte redação:

A majoração do valor do repouso semanal remunerado, em razão da integração das horas extras habitualmente prestadas, não repercute no cálculo das férias, da gratificação natalina, do aviso prévio e do FGTS, sob pena de caracterização de bis in idem

O julgamento histórico ocorrido no último dia 20 de março, marca a alteração da redação da referida OJ, que passa a ter como parâmetro ideia absolutamente oposta, ou seja, a majoração do valor do descanso semanal remunerado em razão da integração das horas extras habituais passa a repercutir sobre o cálculo de férias, 13º salário, aviso prévio e do FGTS.

Dos 26 (vinte e seis) Ministros que compõem o Tribunal Pleno do TST, foram vencidos os Ministros Ives Gandra da Silva Martins Filho, Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Dora Maria da Costa e Sergio Pinto Martins, que mantiveram o entendimento de que a redação então vigente da OJ 394 deveria permanecer.

Vencidos parcialmente os Ministros Amaury Rodrigues Pinto Junior, Relator, Alberto Bastos Balazeiro, Augusto César Leite de Carvalho, José Roberto Freire Pimenta, Alexandre de Souza Agra Belmonte, Douglas Alencar Rodrigues e Breno Medeiros, que votaram no sentido da aplicação da tese fixada no item I da Orientação Jurisprudencial nº 394 da SBDI-I do TST, a partir de 14/12/2017.

Na prática, o novo entendimento passa a valer para os casos em que forem realizadas horas extras habituais, a partir de 20 de março de 2023, restando, assim, modulados os efeitos da decisão do Tribunal Pleno de forma ex-nunc.

O primeiro ponto importante desta decisão, é quanto à modulação dos efeitos, passando a valer somente a partir da data da alteração do entendimento pelo TST. Isto porque, se a tese fosse fixada, com validade a partir de 14/12/2017, permitiria que processos ainda em curso ou com decisões já transitadas em julgados e processos finalizados pudessem ser revistos pela justiça do trabalho, gerando insegurança jurídica.

Ato contínuo, com a redação anterior, a OJ 394 da SDBI-1 consolidava a ideia de que a majoração do descanso semanal remunerado – DSR pelas horas extras habitualmente realizadas, não poderiam incidir sobre o cálculo de férias, 13º salário, aviso prévio e do FGTS, pois havia o entendimento de que haveria uma dualidade de cálculos, ou em na linguagem jurídica, se geraria “bis in idem”, e possível excesso na cobrança dos valores.

São vários pontos a serem analisados com a alteração de entendimento, à luz do que prevê a legislação vigente acerca das verbas sobre às quais haverá a partir de 20 de março a incidência dos reflexos do DSR majorados pelas horas extras habituais.

Alguns trabalhos já publicados, como de Torquato Charão dos Santos[1] e de Marcus Paulo Montanhani[2], demonstram matematicamente a inexistência da ideia até então objeto da Orientação Jurisprudencial, no sentido de que não haveria duplicidade de pagamento dos reflexos do DSR majorados pelas horas extras nas verbas previstas na OJ 394.

Torquato Charão dos Santos, a título exemplificativo, cita o seguinte exemplo prático para demonstrar a ausência de bis in idem na hipótese:

Supondo mês de 25 dias úteis, 5 dias de repouso, trabalho extra em apenas uma semana com salário de R$ 5,00 por hora e R$ 1.100,00 mensais, e adicionais de 50% nos dias úteis e 100% aos domingos.

Essa remuneração total de cada mês, pela média dos doze meses do período de apuração, será a base de cálculo das Férias, das Natalinas e do Aviso Prévio.

E, porque não se configura BIS IN IDEM? A resposta é por demais clara: o valor de R$ 183,35 representa a paga dos repousos remunerados, sem trabalho, relativos aos salário normal do mês, o valor de R$ 60,00 corresponde ao pagamento das horas extras trabalhadas no domingo, quando o empregado deveria estar repousando, e o valor de R$ 23,75 indica a integração de 1/6 do salário variável obtido pelo trabalho extra ao longo da semana, na mesma forma como demonstrado para o pagamento do salário fixo.

Para o Relator do caso precedente, Ministro Amaury Rodrigues Pinto Júnior, o entendimento anterior da OJ 394 refletia uma ideia jurídica e matematicamente errônea, não sendo possível a vedação dos reflexos da majoração do DSR em razão das horas extras habituais.

A jurisprudência dos tribunais regionais acerca desta matéria se dividia, ora havendo o entendimento de que a OJ 394 e sua antiga redação era a acertada, ora fazendo valer o entendimento de que não havia bis in idem com o reflexo do DSR majorado pelas horas extras, como nos julgados a seguir:

REFLEXOS DAS HORAS EXTRAS EM DSRS. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. Não se vislumbra bis in idem no deferimento dos reflexos das horas extras em DSRs, uma vez que o salário mensal engloba apenas a contraprestação das horas normais da jornada, não remunerando, por si só, os descansos semanais relativamente às horas extraordinárias habitualmente prestadas. (TRT-2 10009133620205020372 SP, Relator: PAULO EDUARDO VIEIRA DE OLIVEIRA, 3ª Turma – Cadeira 4, Data de Publicação: 05/08/2021)

REFLEXOS DAS HORAS EXTRAS EM RSR. BIS IN IDEM. OJ 394 SDI-I DO TST. A forma de cálculo de reflexos das horas extras pretendida pela reclamante (integração dos reflexos em RSR para posterior repercussão nas demais parcelas salariais) implica bis in idem, o que não pode ser admitido por esta Especializada. Não há motivo para se desconsiderar o disposto na OJ 394 da SDI-1 do C. TST, que reflete posicionamento majoritário sobre o tema ora em debate e assim prevê: A majoração do valor do repouso semanal remunerado, em razão da integração das horas extras habituais, não repercute no cálculo das férias, da gratificação natalina, do aviso prévio e do FGTS, sob pena de caracterização de ‘bis in idem’. O escopo da referida OJ 394 da SDI-I é evitar o duplo pagamento de uma mesma verba e o consequente enriquecimento sem causa. (TRT-3 – RO: 00100727820155030174 MG 0010072-78.2015.5.03.0174, Relator: Milton V. Thibau de Almeida, Data de Julgamento: 06/04/2017, Terceira Turma, Data de Publicação: 07/04/2017.)

Desta forma, vemos que novo entendimento proferido pelo Tribunal Pleno do TST, certo ou não sob o ponto de vista matemático, pode direcionar à consolidação da tese acerca da repercussão dos reflexos do DSR majorado pelas horas extras, trazendo maior segurança jurídica quanto ao tema.

O impacto quanto a esta nova decisão, sem dúvidas, é a da alteração dos cálculos destas verbas, majorando os valores finais das condenações, o que deve, a partir de agora, também ser considerado nos provisionamentos a serem realizados por todos os empregadores.

Referências

Santos, Torquato Charão dos. OJ-SDI 394 – o equívoco – a inexistência da figura do “bis in idem”, no presente caso. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/77712/2013_santos_torquato_equivoco_inexistencia.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em 22 de março de 2023.

Montanhani, Marcos Paulo. OJ 394 SDI-1: Comprovação matemática da inexistência do “bis in idem”. Disponível em:https://www.migalhas.com.br/depeso/357475/oj-394-sdi-1-comprovacao-matematica-da-inexistencia-do-bis-in-idem. Acesso em 22 de março de 2023.

Processo: IncJulgRREmbRep – 10169-57.2013.5.05.0024. Disponível em: http://aplicacao4.tst.jus.br/consultaProcessual/resumoForm.do?consulta=1&numeroInt=96341&anoInt=2016&qtdAcesso=58070097. Acesso em 22 de março de 2023.

[1]https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/77712/2013_santos_torquato_equivoco_inexistencia.pdf?sequence=1&isAllowed=y

[2] https://www.migalhas.com.br/depeso/357475/oj-394-sdi-1-comprovacao-matematica-da-inexistencia-do-bis-in-idem

 

Por Dannubia Nascimento

Dannúbia Santos Sousa Nascimento é advogada, graduada em Direito pela Universidade Católica de Brasília – UCB, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade de Santa Cruz do Sul/SC – UNISC e especialista em Educação e Docência do Ensino Profissional e Superior pela UNEB – União Educacional de Brasília. Membro do Grupo de Estudos em Direito Civil e Direito do Trabalho do escritório Petrarca Advogados.

Petrarca Advogados