A igualdade salarial entre homens e mulheres e as alterações trazidas pelo advento da lei 14.611/23 – Dannubia Santos Souza Nascimento

 

Com a alteração trazida no art. 461 da CLT, fica determinada a igualdade de salários entre homens e mulheres, e as empresas passam a ter o risco de pagamento de multa, em caso de descumprimento da nova norma.

Agora é lei. A igualdade salarial entre homens e mulheres passa a ser obrigatória, e prevista em legislação própria.

A Lei 14.611 de 3 de julho de 2023, passa a prever expressamente, a necessidade de igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função, sendo obrigatória a equiparação.

A referida legislação é um marco infraconstitucional importante, e consolida na esfera laboral o que é preconizado pela Constituição Federal de 1988, a igualdade entre todos, homens e mulheres, nos termos do art. 5º, inc. I. Já o art. 7º, inc. XXX, preconiza a vedação de diferenças salariais por critérios de sexo, idade, cor ou estado civil, sedimentando a necessidade de tratamento igualitário entre homens e mulheres.

A máxima de que “o óbvio também precisa ser dito” é perfeitamente aplicável à análise da nova legislação.

Embora já prevista a igualdade entre homens e mulheres, conforme texto constitucional, o mesmo não há que se dizer em termos práticos, já que segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), conforme apurado em 2019, o rendimento das mulheres representava cerca de 77,7% do rendimento dos homens. Essa diferença era menor, segundo os dados, no caso de cargos de direção e gerência, no qual o salário das mulheres equivalia à cerca de 61,9% dos homens1.

Mais recentemente, dados do IBGE levantados em 2022, apontavam que as mulheres auferem cerca de 78% dos salários dos homens2.

O enfrentamento a essa prática de discriminação entre pessoas do sexo feminino e masculino, no tocante à remuneração, já era preconizada pela legislação, seja na Constituição Federal, bem como na própria Consolidação das Leis do Trabalho, mas carecia de medida legislativa mais enérgica para a garantia de cumprimento das previsões legais até então existentes.

Com a nova lei, além da necessidade de igualdade salarial, caso haja inobservância de tal regra, a discriminada poderá ter direito à reparação por danos morais, observado cada caso.

Além disso, as empresas que deixarem de cumprir as novas medidas previstas, estarão sujeitas ao pagamento de multa correspondente até 10 (dez) vezes o valor do novo salário devido pelo empregador à empregada discriminada, multa esta que poderá ser duplicada em caso de reincidência, além de eventuais outras sanções que já sejam legalmente existentes.

Para o cumprimento da Lei, serão adotadas medidas como o estabelecimento de mecanismos de transparência salarial, fiscalização contra a discriminação salarial e de critérios remuneratórios, a disponibilização de canais para denúncias, a promoção e implementação de programas de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho, e o fomento à capacitação de mulheres para o ingresso, permanência e ascensão no mercado de trabalho, em igualdade de condições com os homens.

Outro ponto importante, é que as empresas devem publicar relatórios semestrais de transparência salarial e de critérios de remuneração pelas pessoas jurídicas que possuam 100 ou mais empregados, com observância da proteção de dados prevista na Lei Geral de Proteção de Danos.

Tais relatórios devem conter dados anonimizados e informações que permitam a comparação objetiva de salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos de gerência, direção e chefia preenchidos por mulheres e homens, acompanhados de informações que possam fornecer dados estatísticos sobre outras possíveis desigualdades decorrentes de raça, etnia, nacionalidade e idade.

Caso seja identificada desigualdade salarial ou de critérios de remuneração, as empresas devem apresentar e implementar plano de ação para mitigação da desigualdade, com metas e prazos, garantida a participação de entidades sindicais e de representantes dos empregados.

O não cumprimento da publicação semestral de relatórios de transparência, pode ensejar a aplicação de multa correspondente a até 3% da folha de salários dos empregados, limitada a 100 salários-mínimos, sem prejuízo de outras sanções nos casos de discriminação salarial.

Tais medidas são necessárias para a redução da desigualdade salarial entre homens e mulheres, especialmente neste mais recente período pós-pandemia, no qual muitas mulheres enfrentaram maiores dificuldades financeiras, especialmente em razão da necessidade de sair de seus trabalhos para cuidar do lar, e posteriormente, por enfrentar maiores óbices no retorno ao mercado de trabalho.

A nova medida legal é também parte de um movimento de reparação histórica, já que a inserção de pessoas do sexo feminino no mercado de trabalho ocorreu mais tardiamente, e com isso, os processos de qualificação e inclusão também se deram em tempos desiguais com relação aos homens, demandando a existência de políticas públicas que assegurem o equilíbrio nesta balança.

Todavia, vale ressaltar que a lei 14.611/23 não resolverá todas as questões já existentes de desigualdade de gênero, embora tenha sido um passo importante.

Um exemplo disso é que as multas previstas na nova legislação são muito irrisórias, diante do faturamento de diversas empresas, ou seja, não cumprir a lei e enfrentar uma ação trabalhista, pode ser mais conveniente (e mais barato) para algumas companhias.

Outra crítica necessária é que a comprovação da existência da desigualdade de salários pode ser muito difícil, demandando que dados de cargos e de salários sejam muito objetivos para que haja possível êxito em demandas trabalhistas com essa matéria, ou seja, em termos práticos, ainda há questões como (in)existência de mesma perfeição técnica, (in)existência de mesma produtividade, diferença do tempo exercido no mesmo cargo, que podem justificar diferenças salariais, sendo obstaculizada a análise de diferenças de gênero.

Portanto, ainda temos não só questões legislativas, mas também muitas questões culturais, especialmente na sociedade brasileira, que precisam de maior evolução, para o real enfrentamento das desigualdades de gênero mormente quanto ao ambiente de trabalho.

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1 https://www.tst.jus.br/-/desigualdade-salarial-entre-homens-e-mulheres-evidencia-discrimina%C3%A7%C3%A3o-de-g%C3%AAnero-no-mercado-de-trabalho#:~:text=Disparidades,Cont%C3%ADnua%20(Pnad)%20de%202019.

2 https://www.cnnbrasil.com.br/economia/diferenca-salarial-entre-homens-e-mulheres-vai-a-22-diz-ibge/

 

Dannúbia Santos Sousa Nascimento
Advogada graduada pela Universidade Católica de Brasília – UCB. Especialista em Direito Processual Civil, pela Universidade de Santa Cruz do Sul/SC . Integrante da equipe do Petrarca Advogados.

 

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