O que representam as mudanças da nova lei de improbidade administrativa – Flávia Carvalho, Lucca Zulpelli e Karina Rodrigues

Os principais pontos levantados pelas alterações na lei 14.230/221 (LIA) e os avanços que representam.

Em outubro de 2021 foi publicada a lei 14.230/21 que altera profundamente a lei 8.429/92 ou LIA – Lei de Improbidade Administrativa, que determina as sanções aplicáveis aos agentes públicos em casos de atos graves de violação à moralidade administrativa.

Essas mudanças já eram esperadas, visto que, ao longo do tempo, notou-se determinados desvirtuamentos na aplicação e execução da lei, como o seu uso político, com propósito excessivamente punitivista, sem justa causa ou em contrariedade com as garantias fundamentais do cidadão.

Por esses motivos, muitos especialistas apoiaram a atualização da LIA, pois com as devidas modificações seria possível evitar o seu uso meramente político. Já para outros, as modificações representam uma flexibilização da lei; o que ainda gera intensos debates e discussões sobre o tema.

É verdade que com tantas alterações realizadas, praticamente foi criada uma nova lei, uma vez que permaneceram intactos apenas os arts. 15 e 19. Todos os demais foram alterados ou revogados

Tendo em vista que as alterações promovidas são excessivamente numerosas para serem tratadas neste espaço, abordaremos os pontos que foram alvos de maiores questionamentos e controvérsias, seja para as partes que compõem o polo passivo ou ativo, seja no âmbito do Poder Judiciário.

A principal mudança trazida pela reforma, foi a extinção da modalidade culposa da conduta que configura ato de improbidade. Isto significa que só serão punidos aqueles agentes que tiverem “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11, não bastando a voluntariedade do agente”, conforme estabelece o art. 1º, § 2º da nova lei.

Anteriormente, configurava improbidade administrativa a conduta do agente público que atentava contra o erário ou aos princípios da administração pública, praticada mediante ação ou omissão, de forma dolosa ou culposa. Porém, a lei avançou para estabelecer que o dolo em questão deva ser específico. Ou seja, deverá existir sempre a intencionalidade do agente na prática do ato, não incluindo, assim, os atos cometidos por erro ou omissão decorrentes de imperícia, negligência ou imprudência, bem como de divergência na interpretação da lei.

Marçal Justen Filho explica que “o dolo se configura não apenas como a vontade livre de praticar um ato subsumível à tipificação material prevista em lei. É indispensável a consciência quanto à ilicitude e a vontade de produzir o resultado reprovado pela ordem jurídica”. O ilustre doutrinador interpreta a mudança como positiva e entende que “a eliminação da improbidade culposa é a solução mais acertada e não implica intransigência com condutas danosas ao patrimônio público, nem configura admissão quanto à prática da corrupção”. Afinal, “toda ilicitude que acarretar dano ao erário sujeita-se a repressão, por meio das normas sancionatórias do âmbito civil, administrativo” e penal.

Assim, o rol de condutas que constituem ato de improbidade administrativa estabelecido no art. 11, passou a ser considerado taxativo, e não mais meramente exemplificativo, o que atribui maior segurança jurídica ao estancar possíveis excessos e abusos pelo acusador e julgador.

Houve alteração também na definição geral de improbidade administrativa, que segundo a nova redação dada ao art. 1º, agora inclui atos que violem “a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social”.

Outra importante alteração ocorreu no art. 17º caput, no qual previa competência privativa ao ministério público para a propositura da ação de improbidade. Na prática, isso reduziria o universo de possíveis autores de demandas e concentrava todo o trabalho no ministério público e na regra de transição do art. 3º da lei nº 14.320/21, que determina o prazo de um ano para o Ministério Público manifestar interesse nas ações ajuizadas pela fazenda pública, sob pena de extinção sem julgamento do mérito.

Entretanto, a constitucionalidade dessa inovação quanto à legitimidade ativa privativa do ministério público para o ajuizamento da ação de improbidade administrativa foi sumariamente analisada pelo ministro Alexandre de Moraes, nas ADIs 7042 e 7043, que, em decisão monocrática, publicada em 21/2/22, deferiu parcialmente a medida cautelar em ambas as ações para, dentre outros, determinar a suspensão dos efeitos do § 20 do art. 17 da lei 8.429/92, com a redação dada pela lei nº 14.230/21, e do art. 3º da lei 14.230/21. A suspensão dos efeitos dos referidos dispositivos legais, porém, deve ser referendada pelo plenário da Suprema Corte.

De acordo com o entendimento do ministro Alexandre de Moraes, o art. 129, §1º da Constituição Federal garante a legitimação do MP em ações civis de improbidade administrativa, mas não impede a de terceiros.

No inteiro teor da decisão do ministro Alexandre de Moraes observa-se que a maior preocupação está nos efeitos que a legitimidade privativa do MP poderá acarretar no combate à corrupção, à ilegalidade e à imoralidade no seio do Poder Público. Dentre os fundamentos lançados pelo ministro, destaca-se o entendimento no sentido de que “a supressão da legitimidade ativa das pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade administrativa caracteriza uma espécie de monopólio absoluto do combate à corrupção ao Ministério Público, não autorizado, entretanto, pela Constituição Federal, e sem qualquer sistema de freios e contrapesos como estabelecido na hipótese das ações penais públicas (art. 5º, LIX, da CF)”.

Oportuna, assim, a diferenciação entre condutas que caracterizam corrupção e improbidade para melhor compreensão acerca do propósito das alterações havidas no art. 17. Corrupção é um termo utilizado para caracterizar o mau uso da função pública com o objetivo de obter uma vantagem ilícita e está previsto no Código Penal. Por outro lado, improbidade é regido pela LIA e corresponde a dano ao erário e violação aos princípios administrativos, podendo haver ou não enriquecimento ilícito.

De modo geral, as alterações trazidas pela lei nº 14.230/21 impuseram no rol do art. 11 relevantes delimitações na interpretação da conduta caracterizadora de improbidade administrativa. Sendo certo, ademais, que a supressão da legitimidade ativa da entidade interessada não implica vedação à sua participação no processo, uma vez que o art. 14 da LIA lhe assegura intervir na ação, se assim desejar.

Para além de todas estas mudanças substanciais, as alterações trazidas pela nova LIA no § 6º do art. 17 ainda impõem ao Ministério Público a descrição detalhada e minuciosa na peça de acusação da conduta do agente e os elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência das hipóteses dos arts. 9º, 10 e 11, não sendo mais admissível a acusação meramente genérica, como forma de garantir efetividade aos princípios da ampla defesa e do contraditório. Principalmente porque as mudanças na LIA contemplam o dolo como requisito específico da ação de improbidade administrativa.

Outro ponto que merece destaque está nos termos dos §§ 3º e 4º do art. 21, segundo os quais as sentenças cíveis e penais produzirão efeitos em relação à ação de improbidade. Quando concluírem pela inexistência da conduta ou pela negativa da autoria e absolvição criminal do acusado em ação que discuta os mesmos fatos, e forem confirmadas por órgão colegiado, impedem o trâmite da ação de improbidade administrativa.

De modo geral, observa-se que as principais alterações introduzidas na LIA são de natureza principiológica, na medida em que se buscou submetê-la aos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, para assim, evitar os abusos e arbitrariedades no processamento da apuração dos atos de improbidade e garantir, através de preceitos sólidos, o direito à ampla defesa, contraditório e presunção de inocência.

Talvez seja este o principal avanço na lei 8.429/21, que pode ser considerada um exemplo de reequilíbrio e de respeito aos direitos e garantias fundamentais do cidadão.

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Justen, Marçal. Reforma da Lei de Improbidade Administrativa – Comparada e Comentada, 1ª edição, Português: Editora Forense, 25 novembro 2021.

https://www.camara.leg.br/noticias/820702-mudancas-na-lei-de-improbidade-administrativa-entram-em-vigor/

https://www.migalhas.com.br/depeso/353941/veja-as-principais-mudancas-na-lei-de-improbidade-administrativa

https://www.gov.br/secretariageral/pt-br/noticias/2021/outubro/presidente-bolsonaro-sanciona-alteracoes-na-lei-de-improbidade-administrativa

As inovações da reforma da Lei de Improbidade Administrativa

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm

Atualizado em: 30/3/2022 08:20

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Flávia Cardoso
Advogada colaboradora do escritório Petrarca Advogados.

Lucca Zupelli
Colaborador do escritório Petrarca Advogados

Karina Nunes Rodrigues
Colaboradora em Direito no escritório Petrarca Advogados.

 

 

Petrarca Advogados