OS ASPECTOS JURÍDICOS DA UBERIZAÇÃO: RISCOS TRABALHISTAS, CÍVEIS E APLICAÇÃO DA LGPD.

Carla Louzada Marques Carmo, Flavia Stella Cardoso, Isadora Sagmeister de Melo e João Paulo Gregório. Sócios do Petrarca Advogados.

 

  1. Introdução.

Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil iniciou o ano de 2020 com a taxa de desemprego de 11,2%[1]. Isso representa mais de 12 milhões de pessoas desempregadas em todo território nacional, e, certamente, com o atual cenário econômico do país, decorrente da pandemia causada pelo COVID-19, este número pode aumentar de forma considerável.

Além disso, é evidente o período de evolução tecnológica pelo qual o mundo se submete. Atividades tradicionais estão sendo substituídas por tecnologias aptas a realizarem tarefas com maior eficiência e agilidade, proporcionando a redução de custos e o aumento do lucro, de forma que, em determinados seguimentos, a força humana não é mais imprescindível.

Desde o advento da Lei 12.551/2011, que alterou a redação do art. 6º da CLT, o legislador passou a equiparar o trabalho realizado no âmbito empresarial àquele efetivado em local diverso, à distância, desde que presentes todos os pressupostos fático-jurídicos da relação empregatícia.

Diante da necessidade das pessoas de ganharem dinheiro para sobreviver, aponta-se a existência de grandes modificações no mercado de trabalho, que exigem nova interpretação e readaptação de conceitos básicos inerentes ao âmbito jurídico, em especial ao Direito do Trabalho, para que continuem a exercer seu importante papel de equalização das forças e melhoria da condição social dos trabalhadores, bem como, da prestação de serviço aos clientes.

Com base nesse novo cenário econômico, surge a Uberização, uma nova forma de gerenciamento e organização do trabalho. A Uberização consiste em criar um modelo de negócio que intermedia e conecta pessoas com interesses em comum, ou seja, aquela que quer prestar os serviços, a quem quer contratar esse serviço. Trata-se de um modelo que prevê um estilo mais informal, flexível e por demanda.[2]

Desta forma, o objetivo do presente artigo é apurar quais os riscos de natureza trabalhista e cível para projetos de Uberização  em empresas; elencar os meios de mitigar o reconhecimento judicial de relação de emprego e fraudes pelos parceiros; e identificar a necessidade de se atender as disposições contidas na Lei Geral de Proteção de Dados.

  1. Conceito de Uberização.

A Uberização do trabalho decorre da ideia de economia compartilhada, e se refere à uma nova forma de gerenciamento e organização do trabalho. A Uberização consiste em criar um modelo de negócio, que intermedia e conecta pessoas com interesses em comum, ou seja, aquela que quer prestar os serviços, a quem quer contratar esse serviço. Trata-se de um modelo de contratação de prestação de serviços que prevê um estilo mais informal, flexível e por demanda.

A Uberização é alvo de acirradas críticas, principalmente, pelos que são contra à flexibilização dos direitos trabalhistas, no entanto, oferece muitas vantagens, dentre elas:  uma alternativa para o desemprego, liberdade para escolher horários e tarefas. flexibilidade, foco em resultados, possibilidade de aumentar a renda e mais tempo para a vida pessoal.

Embora o nome remeta a uma empresa, qual seja a Uber, expõe uma tendência que perpassa o mundo do trabalho e que, de forma global, vem atingindo diversas ocupações.

  1. Dos riscos de natureza trabalhista.

Conforme já explanado, caso haja o interesse de uma empresa em criar uma plataforma tecnológica, com o objetivo de intermediar, sob demanda, serviços relacionados à sua atividade final, em que o parceiro receba e atenda solicitações feitas por usuários que procuram pelos serviços, é preciso analisar como se dará essa relação, sendo um dos pontos focais a relação trabalhista.

Dessa forma, faz-se necessário tecer apontamentos a respeito dos eventuais riscos de natureza trabalhista, bem como, dos meios de mitigar o reconhecimento judicial de relação de emprego.

IV.1.Dos requisitos da relação de emprego.

De acordo com o artigo 2º da CLT[3], considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

Por outro lado, o art. 3º da referida consolidação[4], define o empregado como toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Empregado é o trabalhador subordinado que recebe ordens, é pessoa física que trabalha todos os dias ou periodicamente e é assalariado, ou seja, não é um trabalhador que presta seus serviços apenas de vez em quando ou esporadicamente. Além do que, é um trabalhador que presta pessoalmente os serviços.

Desse modo, a relação de emprego apresenta como requisitos: i) a subordinação, ii) pessoalidade, iii) a onerosidade, iv) a habitualidade (não-eventualidade, e v) a alteridade. Tais requisitos, a fim de ser caracterizar uma relação de emprego, deverão ocorrer simultaneamente; de forma cumulativa.

IV.7 Da possibilidade de reconhecimento de vínculo de emprego na Uberização.

Conforme explanado, para que se caracterize relação de emprego, é imprescindível que se reúna, de forma simultânea e cumulativa, os seguintes requisitos: i) a subordinação, ii) pessoalidade, iii) a onerosidade, iv) a habitualidade (não-eventualidade, e v) a alteridade.

No caso da Uberização, o entendimento dos tribunais trabalhistas se inclina no sentido de que não há relação de emprego entre a empresa e o prestador de serviço. Inclusive, a primeira decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho afastou, no caso em concreto, a relação de empregado pleiteada pelo motorista do Uber, pelo julgamento do RR – 1000123-89.2017.5.02.0038.

Ao analisar o acórdão supramencionado, constata-se que o Tribunal Superior do Trabalho afastou a relação de emprego com base nos argumentos:

(i) que o motorista tinha autonomia para escolher o momento em que ficaria conectado à plataforma;

(ii) que a Uber presta um serviço de mediação;

(iii) que havia ampla flexibilidade do autor em determinar sua rotina, seus horários de trabalho, locais que deseja atuar e quantidade de clientes que pretende atender por dia, o que afasta o requisito da subordinação;

(iv) que o reclamante aderiu aos serviços de intermediação digital prestados pela reclamada, utilizando-se de aplicativo que oferece interface entre motoristas previamente cadastrados e usuários dos serviços;

(v) que a reserva ao motorista equivale a 75% a 80% do valor pago pelo usuário, configurando relação de parceria. Cumpre salientar que, para o TST, O recebimento de comissões no percentual de 50% a 60% dos serviços prestados é totalmente incompatível com a relação de emprego[5];

(vi) que a possibilidade de avaliação dos motoristas pelos usuários, e vice-versa, sequer tangencia com a presença de subordinação, consubstanciando, em verdade, ferramenta de feedback para os usuários finais quanto à qualidade da prestação de serviços do condutor, de interesse de todos os envolvidos;

(vii) que o fato da empresa se utilizar das avaliações, promovendo o descredenciamento do motorista mal avaliado, convém não apenas à reclamada para sua permanência no mercado, mas especialmente à coletividade de usuários, a quem melhor aproveita a confiabilidade e qualidade dos serviços prestados;

(viii) que é de conhecimento geral a forma de funcionamento da relação empreendida entre os motoristas do aplicativo Uber e a referida empresa, a qual é de alcance mundial e tem se revelado como alternativa de trabalho e fonte de renda em tempos de desemprego (formal) crescente.

Portanto, para que seja afastada eventual alegação de relação de emprego em casos de Uberização, é importante que os apontamentos acima relacionados sejam, estritamente, observados. Isso porque, embora a decisão em análise tenha sido exarada pela Corte Superior, a discussão sobre o reconhecimento ou não do vínculo no ramo da Uberização já gerou decisões controversas nas instâncias inferiores.

IV.8 Das ações que podem ser adotadas com a finalidade de mitigar o reconhecimento de vínculo empregatício.

Pelas considerações até aqui apontadas, depreende-se que embora o TST já tenha se manifestado no sentido de não reconhecer vínculo de emprego em caso de Uberização, o tema é pauta de divergências no judiciário trabalhista.

Desta forma, com a finalidade de mitigar a possibilidade de reconhecimento de vínculo trabalhista entre a empresa e os parceiros que intermediarão a Uberização de suas atividades, as seguintes ações deverão ser adotadas:

(i) Celebrar contrato de natureza civil (contrato de parceria) entre a empresa e o parceiro que irá atuar na plataforma tecnológica;

(ii) Não controlar de jornada de trabalho;

(iii) Não aplicar advertência e não punir com descredenciamento por não utilização frequente da plataforma;

(iv) Não cobrar alcance de metas e produtividade;

(v) Dividir os resultados na proposição de 50% para cada;

(vi) Oferecer treinamento on line, de caráter educacional, de modo a transmitir os princípios e diretrizes da empresa.

  1. Contrato de Parceria

Em vista dos riscos trabalhistas e cíveis que envolvem o empreendimento, o mais recomendado é que o negócio jurídico seja constituído mediante contrato de parceria para prestação de serviço, já que o seu diferencial está na inexistência de relação de subordinação entre as partes.

Ao estabelecer essa forma de contrato, expressadas estarão as vontades das partes de que não desejam subalternidade, formalizando-se a transparência de intenções e relação contratual com solidez, vislumbrando-se um maior nível de organização estrutural do negócio.

Isso evidencia a autonomia do parceiro, que terá participação em lucros e perdas.

Um bom contrato de parceria possui as seguintes cláusulas essenciais: qualificação completa das partes; delimitação do objeto; prazo do contrato e possibilidade de prorrogação; despesas, preço e condições de pagamento, bem como a sua periocidade e possibilidade de reajuste; delimitação das obrigações do contratante e do contratado; os ensejadores de extinção e rescisão contratual; multas e foro.

Para prevenir futuras responsabilidades alheias à contratação, os contraentes também devem ficar atentos aos seguintes pontos e, sendo possível, instituir cláusulas de que o contratado deve ser o único responsável pela mão de obra, suas despesas e por todos os acidentes de trabalho eventualmente ocorridos.

Também devem estabelecer a responsabilidade pelas obrigações legais relativas à prestação do serviço contratado, bem como pelo recolhimento e pagamento de todos os tributos diretos e indiretos, que estejam obrigados a observar em razão da legislação fiscal vigente.

Para concluir o contrato de prestação de serviços sem se sujeitar a riscos jurídicos, é importante estabelecer de forma bem clara a responsabilidade do contratado, fixando-se indenização por todo e qualquer dano causado, direto ou indireto, de natureza patrimonial ou extrapatrimonial.

Do mesmo modo, é importante estabelecer que o contratado deve requerer a “exclusão da lide” do contratante de qualquer ação administrativa ou judicial que seja envolvido por fato ou ato de responsabilidade e culpa do contratado, assumindo única e exclusiva responsabilidade pelo pagamento de eventuais débitos impostos por sentença, assegurando ao contratante o direito de ressarcimento e regresso.

Assim, aplicando-se essa modalidade contratual, os parceiros em questão se obrigarão exclusivamente à prestação de serviços relacionados às atividades da empresa, enquanto esta, gestora do aplicativo, disponibiliza serviços de intermediação digital com a finalidade de viabilizar a prospecção de clientes para os parceiros.

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Conflito de Competência nº 164.544, ao analisar a natureza jurídica de pretensão proveniente de ação de obrigação de fazer combinada com reparação de danos materiais e morais ajuizada por motorista de aplicativo contra a empresa UBER, firmou o entendimento de que o contrato firmado decorre de cunho eminentemente civil.

Nesse contexto, tem-se que o sistema de Uberização, a partir de provedores de rede de compartilhamento, detém natureza civil e deve ser formalizado por meio de contrato de parceria que visa a intermediação digital para a prestação dos serviços.

Assim, a higidez do contrato de parceria está na transparência da definição das responsabilidades e obrigações das partes, na organização estrutural do negócio com a divisão de lucros e perdas e na inexistência de subalternidade.

Além de configurar contratação de parceria para prestação de serviços, percebe-se várias semelhanças entre a natureza contratual da relação jurídica estabelecida pela Lei nº 13.352/16 e a intermediação digital por meio de plataforma tecnológica havida nos aplicativos uberizados.

Isso porque os parceiros se utilizarão da empresa pela credibilidade da marca, objetivando ampliar a captação de clientes, com segurança tanto para o prestador de serviço e como para o consumidor final.

Afinal, a busca dos clientes em potencial pelo aplicativo, não deixa dúvidas que a empresa é a verdadeira possuidora da clientela.

Para caracterizar o contrato de parceria, seguem abaixo algumas cláusulas que deverão estar presentes no contrato a ser firmado entre os interessados, além dos já mencionados:

(i) Definição do percentual de pagamento ao parceiro, com a indicação de não inferior a 50%;

              (ii) Obrigação por parte da empresa de retenção e recolhimento dos tributos e contribuições sociais e previdenciárias devidos pelo parceiro em decorrência da atividade deste na parceria;

(iii) Definição das condições e periodicidade do pagamento;

(iv) Possibilidade de rescisão unilateral do contrato por qualquer das partes, mediante aviso prévio, de no mínimo 30 dias;

(v) Obrigação por parte do parceiro de manutenção da regularidade de sua inscrição perante as autoridades fazendárias.

Dessa forma, o caminho mais viável para a Uberização, é que o negócio jurídico seja constituído mediante contrato de parceria para a prestação de serviço.

  1. Riscos Cíveis

O instrumento indicado para formalizar a relação entre a empresa e o parceiro é o contrato de parceria para prestação de serviço, que deverá obedecer às normas que regem os contratos em geral[6], como a boa-fé, além de conter as cláusulas básicas, como a determinação de partes, objeto, obrigações, prazos, formas de pagamento, hipóteses de rescisão e penalidades.

Além dessa estrutura básica, é preciso garantir que o contrato disporá sobre aspectos específicos, atendendo de forma clara as exigências e os limites do que foi acordado entre a empresa e seu parceiro.

Pensando na responsabilidade contratual, não raro, os contratos possuem cláusulas específicas tratando das consequências do inadimplemento de uma ou de ambas as partes. Além disso, a parte prejudicada pode se valer do disposto no art. 402 do Código Civil[7] para pleitear o que entender de direito.

O que se deve entender quanto a responsabilidade relacionada a contratos é que há a necessidade de observância dos deveres laterais, tais como o de lealdade e o de informação, bem como da boa-fé e da confiança, que devem pautar todos os contratos, e devem estar presentes em todos os atos realizados pelos contraentes.

Importante manter em mente que o prestador de serviço abordará o cliente em nome da empresa, de forma que as informações prestadas pelo parceiro são de responsabilidade desta, de modo que eventuais equívocos deverão ser indenizados aos clientes, se configurada a má prestação do serviço.

Isso porque o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 12[8], tornou a responsabilidade objetiva a regra para as situações ocorridas nas relações de consumo.

Com efeito, o parágrafo único do art. 927 do Código Civil prevê que “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do ano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Aliás, o negócio pode, inclusive, ser anulado, se houver erro[9], dolo[10] ou coação[11].

Ainda que não haja relação jurídica direta entre a empresa parceira e o consumidor, aquele primeiro contrato ajustado com o intuito de colocar no mercado o produto, somente se justifica e cumpre sua função social, se o produto puder ser usufruído pelo consumidor com segurança, trazendo-lhe a satisfação de seu interesse. O que, na verdade, deve ser garantido pela empresa-parceira.

Por segurança, os contraentes podem prefixar os prejuízos decorrentes de perdas e danos, estabelecendo uma cláusula penal. Os contraentes estimam previamente o valor da indenização devida pelo contraente faltoso, independentemente de comprovação de prejuízo efetivo, nos termos do art. 416 do Código Civil[12]. A cláusula penal pode servir como única forma de ressarcimento dos prejuízos ou como um valor mínimo de indenização.

Vale lembrar que na Uberização as empresas não estipulam sanção ao prestador de serviço por má-prestação.

Nos casos de cancelamento ou má prestação do serviço é o próprio usuário, enquanto consumidor final, que, por meio de avaliações qualitativas, restringe o uso da plataforma pelo prestador do serviço, segundo as regras que deverão estar previamente contratadas.

A princípio estes são os principais riscos que se vislumbra no âmbito do direito civil, não se podendo olvidar, no entanto, que por se tratar de uma nova modalidade de prestação de serviços autônoma que envolve relação jurídica destinada ao consumo de produtos, deve-se avaliar caso a caso.

Conclui-se, então, que para que os riscos cíveis sejam mitigados, as cláusulas contratuais devem ser bem redigidas, de forma clara e objetiva, em todas as suas definições, estabelecendo-se, precisamente, todas as responsabilidades do prestador de serviços mediante os danos eventualmente causados a terceiros, uma vez que, em se tratando de má prestação do serviço, a responsabilidade da empresa é objetiva.

VII. Aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados Ao Projeto Uberização.

Faz-se necessário analisar cada ponto de possíveis riscos que possam incorrer no projeto. Como vivemos na era da informação, e qualquer tipo de negociação envolve a utilização de diversas informações pessoais, é preciso garantir que o projeto esteja de acordo com a legislação específica que entra em vigor no ano de 2020, qual seja, a Lei Geral de Proteção de Dados, Lei nº 13.709/2018.

Para tanto, segue uma breve análise da Lei em questão, sob a ótica da responsabilização e identificação de processos que envolvam dados pessoais.

VII.1 Conceituação.

A Lei Geral de Proteção de Dados se trata de uma adaptação do Brasil a uma tendência global, pela qual os dados pessoais de pessoas físicas são o objeto que se visa resguardar.

Ao lidar com informações referentes a contratação de um serviço ou produto, é preciso ter em mente que a empresa será responsável pelo devido armazenamento e utilização de maneira correta de tais informações. Mesmo que quem venha a coletar a informação seja o terceiro uberizado, a empresa ainda irá manter os dados em cadastros, para a contratação e manutenção do negócio ou produto, de forma que ainda pode haver sua responsabilização.

No tocante aos processos que envolvem dados pessoais, é importante determinar dois personagens, quais sejam: o controlador e o operador.

O controlador, de acordo com o artigo 5º, inciso VI, da LGPD, é “pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, a quem competem as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais”. Ou seja, trata-se da pessoa que determinará quais serão os tratamentos que serão feitos com os dados coletados, informando ao operador como deve proceder.

Já o operador é definido no inciso VII do artigo supracitado como “pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, que realiza o tratamento de dados pessoais em nome do controlador”. Vale dizer que o operador é a pessoa que efetivamente trata os dados coletados, seguindo as direções dadas pelo controlador.

Quanto ao que se pode delimitar como tratamento, a LGPD traz, ainda no artigo 5º, agora no inciso X, que são “toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração”. Em outras palavras, o tratamento dos dados é toda e qualquer forma de utilização deles, desde a obtenção até o armazenamento e eliminação dos dados.

Tendo esses conceitos estabelecidos, deve-se observar que os papéis de operador e controlador podem ser realizados por uma única pessoa, não necessariamente implicando na divisão de atuações. É preciso analisar os processos que envolvem tratamento de dados pessoais individualmente para que se possa obter uma distinção com clareza.

É, ainda, importante ressaltar que os agentes descritos acima, controlador e operador, são aqueles a serem responsabilizados civilmente em caso de ocorrência de infração à legislação de proteção de dados, nos termos do art. 42 da LGPD[13].

Vale dizer, infração à legislação de proteção de dados podes se traduzir como o vazamento dos dados coletados, a má utilização dos dados, a utilização fora da finalidade específica para que as informações foram coletadas, ou seja, situações que destoem da finalidade originária da obtenção dos dados.

Ainda há uma diferenciação importante de se fazer, qual seja, entre dados pessoais e dados pessoais sensíveis, pois as possibilidades que autorizam o tratamento de dados são distintas para cada caso.

Dados pessoais são informações relacionadas a pessoa natural identificada ou identificável. São quaisquer informações que permitam a identificação de uma pessoa natural, o que possam ser utilizadas para alcançar a identificação de uma pessoa natural. Nesse ponto, entram a maioria dos dados coletados no dia a dia para fins contratuais.

Dados pessoais sensíveis são conceituados na LGPD no artigo 5º, inciso II, nos seguintes termos: “dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural”. Ou seja, são as informações pessoais que se considera merecem um grau de proteção maior, uma vez que sua má utilização pode incorrer em danos maiores ao titular dos dados.

Ainda, a LGPD prevê que somente poderá ser feito o tratamento de dados pessoais e dados pessoais sensíveis se ocorre uma das situações previstas nos art. 7º e 11º da Lei, de forma que saber distinguir qual a natureza dos dados que se pretende tratar é de essencial importância, pois seu tratamento pode ser lícito ou não, dependendo da situação que implique na necessidade do tratamento.

De maneira geral, o tratamento de informações pessoais no âmbito empresarial tem por base legal a obtenção de consentimento do titular, ou a execução de contrato, que são situações previstas para ambos os tipos de informações, com algumas ressalvas extras no caso de dados pessoais sensíveis.

Caso haja informações mais específicas que sejam necessárias, como relacionadas a saúde, ou cuja coleta se dê em razão de Lei, é preciso fazer uma análise mais pontual da situação, para que o projeto esteja de acordo com a legislação.

O que é preciso observar é que, como ocorrerá a transferência dos dados entre o parceiro uberizado e a empresa, deve ser informado de maneira clara ao cliente que tal tratamento precisa ocorrer, e é preciso que o titular dê o seu consentimento para o compartilhamento das informações.

VII.2 Das medidas de segurança a serem adotadas

Uma vez identificados os dados dos clientes que serão tratados pela empresa e pelos parceiros, e quais são os agentes que realizarão o tratamento, é preciso determinar quais serão, de fato, os tratamentos realizados, e quais as medidas que se pode tomar para evitar que qualquer infração à legislação de proteção de dados ocorra.

Tais medidas possuem diversos formatos, podendo se tratar desde o tipo de software que será utilizado pelo uberizado, até qual a forma com que ele coleta as informações. É possível, inclusive, determinar requisitos mínimos de segurança aos quais o terceiro deve se enquadrar para poder participar do projeto, como, por exemplo, a utilização de antivírus e/ou firewall em seu computador.

Algumas possibilidades de medidas de segurança a serem tomadas seriam:

(i) Não compartilhar informações completas com o terceiro, por exemplo, não informar o número de CPF completo do cliente, informando somente os últimos dígitos, para fins de confirmação com o cliente de que a proposta realmente está sendo feita por parceiro legítimo;  

(ii) Somente autorizar o acesso e alteração das informações por pessoas específicas, com nível de acesso interno para tanto;

(iii) Fornecer softwares e bancos de dados idôneos, que garantam a segurança das informações armazenadas;

(iv) Fazer um treinamento interno dos colaboradores que atuarão com os terceiros, uma vez que receberão as informações repassadas e realizarão os tratamentos necessários;

(v) Criptografar ou anonimizar os dados compartilhados;

(vi) Fornecer guias e materiais que capacitem o terceiro sobre os cuidados referentes a segurança e tratamento dos dados;

(vii) Traçar um plano de atuação rápida no caso de alguma infração, sendo as infrações nos moldes já dispostos anteriormente.

Ao seguir os pontos traçados para garantir a boa utilização dos dados, será criada uma grande forma de resguardo da empresa, caso haja a ocorrência de alguma infração. Ao demonstrar que efetivamente realizou um estudo prévio e que buscou colocar em prática todas as formas possíveis que pudessem garantir a segurança e o sucesso dos tratamentos, a reponsabilidade sobre os agentes de tratamento será afastada.

Outro ponto que deve ser observado é a garantia de acesso ao titular dos dados às suas informações, bem como a garantia de modificação pelo titular das informações ali constantes, caso estejam erradas ou desatualizadas. Não se trata de dar ao titular acesso direto à plataforma da empresa para que altere as informações, mas sim que deve haver um mecanismo que permita que o titular visualize suas informações e comunique a necessidade de alteração à empresa ou ao terceiro, que procederá a sua alteração.

A LGPD trata-se de uma lei que prioriza a transparência e a clareza das operações realizadas que envolvam dados, de forma que garantir que tais pontos sejam observados é uma forte resguarda à empresa.

Ao aplicar os tópicos acima, um projeto de Uberização já surge com uma resguarda quanto a riscos relacionados com a Lei Geral de Proteção de Dados.

A prática poderá demonstrar situações que ainda não foram observadas, uma vez que se trata de legislação nova, não só no âmbito nacional, mas internacionalmente também, razão pela qual o acompanhamento deste ponto é de extrema importância. Porém, ao seguir o apontado, já é possível a implementação do projeto com bastante segurança e confiança.

  1. Referências.

BRASIL. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm> Acesso em 22.3.2020.

BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <https://pje-consulta.trt3.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/0010481-09.2016.5.03.0113> Acesso em 22.3.2020.

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: < https://www.ibge.gov.br/indicadores#desemprego> Acesso em 23.3.2020.

BRASIL. Lei nº 13.352, de 27 de outubro de 2016. Altera a Lei nº 12.592, de 18 de janeiro 2012, para dispor sobre o contrato de parceria entre os profissionais que exercem as atividades de Cabeleireiro, Barbeiro, Esteticista, Manicure, Pedicure, Depilador e Maquiador e pessoas jurídicas registradas como salão de beleza. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13352.htm> Acesso em 21.3.2020.

BRASIL. Lei nº 13.640, de 26 de março de 2018. Altera a Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012, para regulamentar o transporte remunerado privado individual de passageiros. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13640.htm> Acesso em 21.3.2020.

BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018; Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/Lei/L13709.htm> Acesso em 23.3.2020.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.  Ação de Obrigação de Fazer c.c. Reparação de Danos Materiais e Morai ajuizada por motorista de aplicativo Uber. Relação de trabalho não caracterizada. Sharing Economy. Natureza Cível. Competência do Juízo Estadual. Conflito de Competência nº 164.544, Relator Ministro Moura Ribeiro, DJe 2.9.2019. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1857953&num_registro=201900799520&data=20190904&formato=PDF > Acesso em 24.3.2020.

[1] https://www.ibge.gov.br/indicadores#desemprego

[2] UBERIZAÇÃO DAS COISAS: O QUE É E COMO SURFAR NESTA ONDA | CONVERSANDO COM O CEO. Disponível em https://gobacklog.com/blog/uberizacao-das-coisas/ Acesso em 21 de março de 2020.

[3] Art. 2º – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

[4] Art. 3º – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

[5] TST. ARR – 10319-57.2015.5.03.0110 Data de Julgamento: 24/04/2019, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 26/04/2019).

[6]Código Civil. Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

[7]Código Civil. Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

[8]Código de Defesa do Consumidor. Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. § 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I – sua apresentação; II – o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III – a época em que foi colocado em circulação. § 2º O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado. § 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I – que não colocou o produto no mercado; II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

[9]Código Civil. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.

[10]Código Civil. Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa.

[11]Código Civil. Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens. Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação.

[12]Código Civil. Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo. Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente.

[13] Art. 42. O controlador ou o operador que, em razão do exercício de atividade de tratamento de dados pessoais, causar a outrem dano patrimonial, moral, individual ou coletivo, em violação à legislação de proteção de dados pessoais, é obrigado a repará-lo.

 

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