Resolução COAF 36/21 – Mais um passo no combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo – Rafael Sasse Lobato e Rafael Barros Baraçal

Resolução 36/21 do COAF estabelece os parâmetros e estruturas da política de prevenção a lavagem de dinheiro, bem como da avalição de risco.

Introdução

No dia 11 de março de 2021 o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) publicou a resolução COAF 36 de 10 de março de 2021, disciplinando a lei 9.613/98 (Lei de Lavagem de Dinheiro), que dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direito e valores, bem como sobre a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos nela descritos, e que criou o COAF.1

A Lei de Lavagem de Dinheiro foi editada no ano de 1998, época em que o Brasil conquistou sua estabilidade econômica, e por conta disso, começou a fazer parte, de maneira mais expressiva, do comércio internacional, que se intensificou, também, por conta do avanço da globalização.

O aumento na movimentação de valores no território brasileiro trouxe consigo o problema da lavagem de dinheiro. Estudos indicam que o Brasil chegou a ser o “segundo lugar na lista de lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de drogas”.2

Levando em conta este contexto, a Lei de Lavagem de Dinheiro foi promulgada como uma reação do Estado brasileiro à criminalidade, atendendo à crescente pressão internacional para que os países coibissem a lavagem ou ocultação e bens.

A lei 9.613/98

A Lei de Lavagem de Dinheiro pode ser dividida da seguinte maneira: (I) definição do crime de lavagem de dinheiro; (II) disposições processuais especiais; (III) pessoas sujeitas ao mecanismo de controle; (IV) deveres e obrigações das pessoas sujeitas ao mecanismo de controle; (V) multas e responsabilizações; (VI) órgão de controle (COAF).

O primeiro ponto a se destacar, a partir da leitura da lei 9.613/98, é que o COAF tem competência subsidiária aos demais órgãos fiscalizadores, conforme art. 14 § 1º, ao prever que “as instruções referidas no art. 10 destinadas às pessoas mencionadas no art. 9º, para as quais não exista órgão próprio fiscalizador ou regulador, serão expedidas pelo COAF, competindo-lhe, para esses casos, a definição das pessoas abrangidas e a aplicação das sanções enumeradas no art. 12”.

Dessa forma, as resoluções do COAF se aplicam àquelas pessoas, físicas ou jurídicas, que exerçam alguma atividade econômica discriminada no art. 9º da lei 9.613/983, e que não possuam órgão regulador próprio.

Com isso, o âmbito de aplicação da resolução do COAF sobre lavagem de dinheiro não alcança, por exemplo, seguradores e corretoras de seguros, instituições financeiras ou empresas de investimentos, pois, tais segmentos possuem órgãos reguladores próprios, que já editaram instruções sobre esse respeito, valendo citar: instrução CVM 617/19; a circular Bacen 3.978/20; e a circular Susep 612/20.

Observa-se, portanto, que a resolução do COAF sobre lavagem de dinheiro vem dar maior densidade a um dos deveres das pessoas elencadas no artigo 9º da Lei de Lavagem de Dinheiro, de adotar políticas, procedimentos e controles internos, que garantam o cumprimento de seus deveres no combate à ocultação de valores.

Resolução COAF 36/21

Em relação à resolução COAF 36/21, são dois os principais pontos: (I) as diretrizes que as políticas das empresas devem ter; (II) normas procedimentais sobre como deve ser feita a avalição interna das situações de risco.

As diretrizes da política de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo são dispostas no artigo 2º da Resolução, e podem ser resumidas da seguinte maneira: (I) devem ser atribuídas pessoas com a responsabilidade de cumprir as instruções normativas do COAF; devem ser elaboradas diretrizes (II) para os procedimentos de avaliação prévia de novos produtos e tecnologias; (III) avaliação interna de riscos; (IV) implementação de um cultura organizacional de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo; (V) contratação de funcionários; (VI) capacitação dos funcionários, em um sentido preventivo; (VII) implementação de procedimentos de: (a) coleta, verificação, validação e atualização das informações cadastrais dos clientes, fornecedores e parceiros estratégicos (Cadeia Produtiva); (b) registro de operações críticas; (c) monitoramento, seleção e análise de operações e situações típicas ou suspeitas; (d) encaminhamento de comunicações devidas ao COAF.

Além disso, em seu artigo 6º, a resolução fixa uma estrutura de avaliação interna que deve ser seguida, e tem dois objetivos principais: (I) identificação de situações, pessoas, e negócios suspeitos; e (II) a mensuração do risco.

Para a identificação de situações suspeitas, é necessário que se crie perfis de risco (I) dos clientes; (II) do próprio negócio (modelo de negócio e área de atuação); (III) das operações (forma, meio de pagamento, bens, valores, ativos, produtos e serviços envolvidos, instrumentos, tecnologias ou canais utilizados).

Já para a mensuração dos riscos, deve ser levado em conta: (I) a probabilidade de ocorrência; (II) magnitude dos impactos; (III) criação de categorias de risco que possibilitem a adoção de procedimentos e controles reforçados para riscos mais graves, além de procedimentos e controles simplificados para casos de menor risco.

Vale salientar que, tanto a política quanto a avalição de riscos das empresas devem ser documentadas, e em uma linguagem acessível a toda a cadeia produtiva. Ademais o COAF teve o cuidado de adequar as obrigações ao porte da empresa, exigindo mais das maiores, e menos das menores.

É de se destacar, por fim, que os conglomerados de empresas podem elaborar apenas uma política e avalição para todo o grupo, não sendo necessário uma política e uma avalição para cada um dos integrantes do conglomerado.

Conclusão

Podemos concluir, portanto, que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, ao editar a resolução 36/21, avançou na prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. Afinal, deu mais densidade ao dever das pessoas subordinadas à sua fiscalização, estabelecendo parâmetros mais concretos das políticas, procedimentos e controles internos destinados ao combate e prevenção da lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo.

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1 Art. 14. Fica criado, no âmbito do Ministério da Economia, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – Coaf, com a finalidade de disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas nesta Lei, sem prejuízo das competências de outros órgãos e entidades.

2 Barros, Marco antônio & Conte, Christiany Pegorari. Antilavegem de dinheiro: Ensaio sobre uma Cultura em Formação.Revistas dos Tribunais. vol 854/2006. p.391-404. Dez 2006.

3 Art. 9º Sujeitam-se às obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas físicas e jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não:

I – a captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira;

II – a compra e venda de moeda estrangeira ou ouro como ativo financeiro ou instrumento cambial;

III – a custódia, emissão, distribuição, liqüidação, negociação, intermediação ou administração de títulos ou valores mobiliários.

Parágrafo único. Sujeitam-se às mesmas obrigações:

I – as bolsas de valores, as bolsas de mercadorias ou futuros e os sistemas de negociação do mercado de balcão organizado;

II – as seguradoras, as corretoras de seguros e as entidades de previdência complementar ou de capitalização;

III – as administradoras de cartões de credenciamento ou cartões de crédito, bem como as administradoras de consórcios para aquisição de bens ou serviços;

IV – as administradoras ou empresas que se utilizem de cartão ou qualquer outro meio eletrônico, magnético ou equivalente, que permita a transferência de fundos;

V – as empresas de arrendamento mercantil (leasing), as empresas de fomento comercial (factoring) e as Empresas Simples de Crédito (ESC);

VI – as sociedades que efetuem distribuição de dinheiro ou quaisquer bens móveis, imóveis, mercadorias, serviços, ou, ainda, concedam descontos na sua aquisição, mediante sorteio ou método assemelhado;

VII – as filiais ou representações de entes estrangeiros que exerçam no Brasil qualquer das atividades listadas neste artigo, ainda que de forma eventual;

VIII – as demais entidades cujo funcionamento dependa de autorização de órgão regulador dos mercados financeiro, de câmbio, de capitais e de seguros;

IX – as pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, que operem no Brasil como agentes, dirigentes, procuradoras, comissionárias ou por qualquer forma representem interesses de ente estrangeiro que exerça qualquer das atividades referidas neste artigo;

X – as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam atividades de promoção imobiliária ou compra e venda de imóveis

XI – as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem jóias, pedras e metais preciosos, objetos de arte e antiguidades

XII – as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de luxo ou de alto valor, intermedeiem a sua comercialização ou exerçam atividades que envolvam grande volume de recursos em espécie

XIII – as juntas comerciais e os registros públicos

XIV – as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações:

a) de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza;

b) de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos;

c) de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários;

d) de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas;

e) financeiras, societárias ou imobiliárias; e

f) de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais;

XV – pessoas físicas ou jurídicas que atuem na promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas, artistas ou feiras, exposições ou eventos similares);

XVI – as empresas de transporte e guarda de valores;

XVII – as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de alto valor de origem rural ou animal ou intermedeiem a sua comercialização; e

XVIII – as dependências no exterior das entidades mencionadas neste artigo, por meio de sua matriz no Brasil, relativamente a residentes no País.

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Barros, Marco antônio & Conte, Christiany Pegorari. Antilavegem de dinheiro: Ensaio sobre uma Cultura em Formação. Revistas dos Tribunais. vol 854/2006. p.391-404. Dez 2006.

Rafael Sasse Lobato
Advogado colaborador do escritório Petrarca Advogados.

Rafael Barros Baraçal
Graduando de Direito pela Universidade do Vale do Paraíba. Bacharel em Ciências Sociais pela USP. Colaborador do escritório Petrarca Advogados.

Petrarca Advogados