Justiça valida dispensa por justa causa de aeromoça que se negou a tomar vacina

Empregado que se recusa a tomar vacina comete falta grave que pode ensejar a dispensa por justa causa. Com esse entendimento, a Justiça do Trabalho manteve a penalidade aplicada pela TAM Linhas Aéreas a uma comissária de bordo que, de forma injustificada, recusou a vacina contra a Covid-19.

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A decisão foi dada pelo juiz Juliano Girardello, da 6ª Vara do Trabalho de Cuiabá, ao julgar o pedido da trabalhadora para que a rescisão do contrato, em janeiro deste ano, fosse considerada nula. Ou, pelo menos, a modalidade da dispensa fosse revertida para dispensa imotivada, com o consequente pagamento das verbas rescisórias, e a empresa condenada a pagar indenização por danos morais.

Ao procurar a justiça, a ex-comissária disse ter alergia à proteína do ovo, substância usada na composição de algumas vacinas. Alegou ainda que existiam poucas informações sobre efeitos colaterais dos imunizantes contra o coronavírus, o que tornou difícil a decisão de aderir à campanha de vacinação.

O juiz concluiu, no entanto, que as justificativas da trabalhadora não se sustentam e a recusa de se vacinar em meio a uma pandemia é falta grave, capaz de quebrar a confiança exigida na relação de trabalho e motivo para a extinção do vínculo empregatício.

O magistrado lembrou que no contexto da crise sanitária, que já vitimou milhões de pessoas, a ampla imunização da população é imprescindível na contenção da doença, sendo a adesão às campanhas de vacinação uma questão de saúde pública. “Em outras palavras, a decisão de uma pessoa sobre vacinar-se ou deixar de fazê-lo não está sediada apenas no domínio da liberdade individual, pois a saúde coletiva não pode ser prejudicada por quem deliberadamente se recusa a se vacinar”.

A sentença destacou que para enfrentar a pandemia foi editada em 2020 a Lei 13.919 que conferiu às autoridades públicas o poder de adotar a vacinação compulsória contra a Covid-19. Norma que o Supremo Tribunal Federal julgou compatível com a Constituição. Ao analisar a questão, o STF concluiu que a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, “porquanto facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares”.

O Direito do Trabalho não é alheio a essa realidade, lembrou o juiz, apontando o artigo 8º da CLT que dispõe que a Justiça do Trabalho decidirá “sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”. Além disso, a Constituição Federal estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, “que é essencial à sadia qualidade de vida, o que se aplica ao ambiente do trabalho”, explicou.

Vacinação compulsória e relações de trabalho

A legitimidade da vacinação compulsória foi reafirmada no início deste ano em outro julgamento do STF. A decisão suspendeu parte de portaria do Ministério do Trabalho e Previdência, a qual considerava prática discriminatória a obrigatoriedade de certificado de vacinação na admissão de trabalhadores e demissão por justa causa por falta de vacinação.

Citando o posicionamento do Supremo, o juiz destacou que a imunização é essencial para reduzir o contágio por Covid-19 e que, “em tais condições, é razoável o entendimento de que a presença de empregados não vacinados no âmbito da empresa enseja ameaça para a saúde dos demais trabalhadores, risco de danos à segurança e à saúde do meio ambiente laboral e de comprometimento da saúde do público com o qual a empresa interage”.

O magistrado reproduziu ainda outro trecho da decisão do Supremo que enfatizou ser “dever do empregador assegurar a todos os empregados um meio ambiente de trabalho seguro (CF/1988, art. 225), com base em medidas adequadas de saúde, higiene e segurança”. Além de destacar que “os empregados têm direito a um meio ambiente laboral saudável (CF, art. 7º, XXII) e o dever de respeitar o poder de direção do empregador, sob pena, no último caso, de despedida por justa causa (CLT, art. 482, “h”)”.

Quanto aos motivos alegados pela comissária de bordo, o juiz concluiu que eles não são válidos, a começar porque as vacinas contra a Covid-19 não possuem a proteína do ovo em sua composição. “E essa informação, diferentemente do que defende a autora, não era de impossível ou difícil acesso à época dos fatos, visto que a campanha de imunização contra o coronavírus no Brasil teve início no primeiro mês de 2021, ao passo que a exigência da ré para a vacinação de seus empregados se deu a partir de outubro daquele ano”, ponderou.

O magistrado apontou ainda a ampla divulgação sobre as vacinas, sua segurança e suas contraindicações, sendo de fácil acesso pela internet até mesmo a bula dos imunizantes. Além disso, a empresa aérea comprovou que nos comunicados enviados aos funcionários, com a exigência da vacinação como condição para permanência no emprego, constava a informação sobre a existência de um canal de comunicação para tirar dúvidas sobre a vacinação, “do qual a autora poderia ter se valido para obter a informação que alegadamente ignorava.”

Por fim, o magistrado registrou que não é válido o argumento da trabalhadora de que, após decidir se vacinar, não o fez porque esperava se recuperar de uma gripe, uma vez que o atestado médico era de sinusite.

Confira decisão

PJe 0000182-35.2022.5.23.0006

 

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